Édgar Calel é um artista visual originário do povo maia kaqchikel de San Juan Comalapa, uma cidade de 40 mil pessoas no departamento de Chimaltenango, na Guatemala. Lá ele vive e trabalha, quando não está envolvido com viagens, residências artísticas ou exibições de suas obras em diferentes lugares. Através de várias linguagens, que incluem a pintura, a instalação e a performance, Calel foca seu trabalho na ideia de deslocamento e na maneira como ele transforma a memória e a cultura.
O artista falou com a Contemporary And América Latina durante uma residência no Brasil, onde a pandemia do coronavírus o forçou a se confinar e a criar, através de materiais locais, a obra que irá expor na Bienal de Arte Contemporânea de Berlim entre 5 de setembro e 1º de novembro.
C&AL: Poderia falar sobre suas origens e sua trajetória como artista?
Édgar Calel: Nasci a 80 quilômetros da Cidade da Guatemala, em Comalapa, um lugar cheio de referências à arte e à história do país. Cresci entre pessoas criativas – meu pai é pintor e minha mãe faz tecidos à mão –, e com um vínculo com o legado dos maias kaqchikel. Em um determinado momento, no entanto, percebi que precisava melhorar minha técnica de pintura, e adquirir uma visão mais profunda da arte. Entrei, então, em 2005, para a Escola Nacional de Artes Plásticas Rafael Rodríguez Padilla. A Escola fica na Cidade da Guatemala e isso me forçou a viajar todos os dias de ônibus, duas horas de ida e duas horas de volta. Eu me tornei um observador e aproveitei meu tempo para caminhar, visitar museus e observar as pessoas. Comecei, então, minha vida como artista: ganhei uma bolsa de estudos, saí do país e fui a muitos lugares. Mas essa experiência na minha aldeia e aquelas viagens como estudante me moldaram decisivamente.
C&AL: Como essa história explica seu interesse pelo movimento e pelo deslocamento?
EC: Quando você revisa a história da arte de um país, você encontra pouco envolvimento da comunidade. Assim, eu sempre quis que meu trabalho estivesse relacionado com o lugar onde nasci e onde meu corpo aprendeu a vibrar no mundo. Eu carrego uma cultura. Mas, agora que viajo tanto, me pergunto: onde fica minha cultura quando não estou naquele lugar? Ela permanece no corpo, atravessado pelo que vivemos, e permanece na memória, onde transformamos a cultura e a reproduzimos. Para mim, o deslocamento não é apenas físico. Viajar me permitiu conhecer pensamentos e artes e conhecer as ideias dos Guarani, assim como conheço as do Kaqchikeles. Através desse conceito de movimento, é possível estabelecer uma sincronia entre os conhecimentos do mundo. O deslocamento é, em outras palavras, reconhecer continuamente o meu ser em lugares diferentes.