Enquanto Kisha Scarville investiga a migração de seu pai através de colagem, Kosisochukwu Nnebe usa a impressão de clorofila em folhas de bananeira para destacar a impermanência da imagem. Suas obras, criadas no El Espacio 23, recontextualizam as raízes coloniais ao explorar identidades estadunidenses e caribenhas sob a influência de Miami.
Kosisochukwu Nnebe. Detalhe do estúdio durante o programa de artistas em residência da WOPHA no El Espacio 23, 2024. Foto: Gaby Ojeda. Cortesia da WOPHA
Keisha Scarville. Páginas de seu livro "lick of tongue, rub of finger, on soft wound", 2023.
Folhas de bananeira descartadas na beira de uma rua em Allapattah, Miami, mas agora cortadas em quadrados perfeitos, trazendo o retrato de uma mulher negra. A mesma foto de passaporte de um homem da Guiana olhando estoicamente para a câmera, repetida em linhas e colunas, mas cada uma com um desenho diferente e intrincado feito à mão na parte superior. Os detalhes mencionados acima são as primeiras impressões visuais imediatas que se tem ao entrar nos estúdios de Kosisochukwu Nnebe e Keisha Scarville no El Espacio 23. As duas artistas estiveram em residência na coleção particular durante o mês de março, em parceria com o Women Photographers International Archive (WOPHA – Arquivo Internacional de Mulheres Fotógrafas).
Os laços de Scarville, enquanto indivíduo da primeira geração que vive nos Estados Unidos, com a Guiana são revelados através de investigações pessoais sobre a migração de seu pai para os EUA. A fotografia do passaporte é um recipiente no qual se pode entender a hifenização da identidade e a interminável toca do coelho que os limiares contêm em seus entremeios e aléns. A primeira fotografia do passaporte de seu pai é o modelo para uma série de uma década que questiona as conotações ligadas à migração e à imigração através das fronteiras, especificamente na repetição da mesma imagem de passaporte ao longo de linhas e colunas. Cada fotografia individual revela o toque de Scarville como manipuladora do arquivo da história, usando técnicas de colagem e desenhos feitos à mão para adicionar ou remover elementos do perfil de seu pai.
A vida de Nnebe até os cinco anos de idade na Nigéria bem como a mudança para o Canadá se manifestam em seu trabalho como artista das lentes. Especificamente intrigada pelo contra-arquivo da flora, Nnebe explora ativamente a bananeira enquanto planta domesticada e codependente que requer intervenção humana para reproduzir sua semente. No processo fotográfico alternativo de impressão de clorofila, Nnebe utiliza folhas de bananeira para testemunhar a impermanência da criação de imagens em um objeto que não requer produtos químicos para refletir a marca humana. Descoberta durante o período em que a artista esteve em residência na Jamaica, a dualidade daquilo que é uma bananeira, em se tratando de sua origem no Sudeste Asiático até sua presença atual no Caribe, está na parede do estúdio de Nnebe como uma história esperando para ser lida.
Keisha Scarville. Sem título, 2015. Foto: Gaby Ojeda. Cortesia da WOPHA.
Como recontextualizamos raízes coloniais profundas como o contrário, como ferramentas de reivindicação para empoderar o olhar negro?
Há também a dualidade da imagem real impressa na folha de bananeira pela ação do sol, que ativa o processo. Uma vez exposta à luz, testemunha-se como a imagem é transferida para os dois lados da mesma folha. “Se você fotografa apenas um lado, perde o fato de que há outra imagem sendo processada, o que brinca com essa ideia de positivo e negativo”, explica Nnebe. “Há algo no fato de não ser possível ver as duas imagens ao mesmo tempo. Você tem que se movimentar para ver as duas imagens, o que joga com a maneira como os artistas de instalação veem o espaço em relação ao seu trabalho.”
Para Scarville e Nnebe, Miami está fisicamente mais próxima do Caribe do que suas bases no Brooklyn e em Montreal, o que ajuda no envolvimento direto com as questões com as quais elas constantemente se deparam enquanto artistas. O que significa se sentir mais estadunidense do que guianense? Como recontextualizamos raízes coloniais profundas como o contrário, como ferramentas de reivindicação para empoderar o olhar negro? Enquanto as composições digitais em preto e branco de Scarville e a série Passports falam de laços familiares profundamente pessoais e do significado de ser filha da primeira geração em um lar, as apresentações conceituais de Nnebe, feitas a partir de lentes, são as que criam raízes na escultura como um suporte para girar o contexto. Elas conjecturam um mundo onde quem antes era a vítima agora é dirigente. Há, no entanto, uma ligação entre Scarville e Nnebe na reivindicação de histórias contadas que merecem ser questionadas e exploradas – não para serem levadas ao pé da letra, mas para serem reinterpretadas e verdadeiramente compreendidas.
A força da luz do sol de Miami é inegável, e a proximidade com as complexidades do Caribe nos bairros da cidade reverbera um chamado de volta ao trabalho que não precisa ser criado dentro das paredes dessa residência para encontrar seu próprio senso de pertencimento. É a capacidade de retornar ao trabalho criado em outro lugar e de resistir à procura desesperada por materiais em uma nova cidade. Em vez disso, Scarville e Nnebe aproveitam o fato de Miami oferecer reaproveitamento e reutilização na forma de materiais descartados nas ruas suburbanas ao redor, a imitação de conversas com pais imigrantes ao ouvir locais falando em línguas que você não entende e a distância de casa necessária para pensar na própria afinidade criativa em comunidades temporárias.
O 2024 WOPHA Artists-In-Residence Program (Programa WOPHA de Artistas em Residência 2024) é apoiado pelo Pérez CreARTE Grants Program (Programa de Bolsas Pérez CreARTE) da The Jorge M. Pérez Family Foundation (Fundação da Família Jorge M. Pérez) da Miami Foundation. O programa visa premiar mulheres e pessoas não-binárias artistas da fotografia locais, nacionais e internacionais com oportunidades de visitas a estúdios, apresentações de artistas, conversas em sala de aula e exposições, assim como conectá-las com a comunidade acadêmica e criativa do sul da Flórida.
No dia 23 de setembro de 2024, a Green Space Miami apresentará a exposição dos artistas em residência da WOPHA, uma apresentação dupla de Keisha Scarville e Kosisochukwu Nnebe com curadoria de Amanda Bradley, Curadora Associada de Programação da WOPHA. A exposição será ativada em conjunto com o Congresso WOPHA 2024 durante o mês de outubro e permanecerá em cartaz até 10 de novembro de 2024. Ampliando suas residências em Miami, as artistas exploram projetos pessoais que utilizam a fotografia como uma forma de investigar as relações de identidade, materialidade, transformação e paisagem. O Congresso WOPHA 2024, intitulado Como a Fotografia nos Ensina a Viver Agora, é uma convocação criativa e uma série de exposições que ocorrerão no Pérez Art Museum Miami (PAMM) e em vários locais do sul da Flórida de 23 a 26 de outubro. O Congresso deste ano destaca a contribuição indelével de mulheres e fotógrafes não-binárias na arte contemporânea e inicia discussões sobre mulheres, fotografia e pedagogia como um passo fundamental para o estabelecimento de uma instituição educacional dedicada ao estudo das práticas fotográficas, crítica e historiografia.
A Women Photographers International Archive (WOPHA – Arquivo Internacional de Mulheres Fotógrafas) é uma organização sem fins lucrativos 501(c)(3) fundada pela curadora de arte Aldeide Delgado e pelo artista Francisco Maso para pesquisar, promover, apoiar e educar sobre o papel das mulheres e de pessoas que se identificam como mulheres ou não-binárias na fotografia.
Isabella “Isa” Marie Garcia é profissional das artes independente, escritora e fotógrafa que vive em seu pântano natal em Miami, Flórida. Nos últimos seis anos, Garcia trabalhou com organizações artísticas locais e nacionais, como Burnaway, Ten North Group, LnS Gallery e UNTITLED, Art. Em 2023, Garcia recebeu uma bolsa WaveMaker de pesquisa e implementação do Locust Projects para seu projeto fotográfico intitulado What Happens When the Dust Settles? (O que acontece quando o pó baixa?). Mais informações sobre seu trabalho podem ser encontradas em isamxrie.com.