Em Black Atlantis (Atlântida Negra), a artista Ayesha Hameed investiga as possíveis pós-vidas do Atlântico Negro: as migrações contemporâneas ilegalizadas, as pistas de dança e radiolas afrofuturistas e o espaço sideral. Conversamos com ela sobre o futuro como um espaço de resistência e como um espaço que está se perdendo por causa da crise climática.
Ayesha Hameed, Black Atlantis, Ensaio audiovisual ao vivo, 2016.
Black Atlantis Lecture Performance 2016 Goldsmiths MFA Lecture Series. Courtesy of the artist.
C&: Que papel tem Salvador e o Brasil no seu trabalho?
Ayesha Hameed: Até o momento ainda não realizei nenhum trabalho ou pesquisa no Brasil ou em Salvador. Essa será a minha primeira visita ao Brasil e espero que ela me traga aprendizado. Tenho trabalhado e escrito sobre histórias e materialidades do Atlântico, especialmente acompanhando a chamada “passagem do meio” por muitos anos. Recentemente venho explorando mais e mais as conexões contemporâneas entre a África Ocidental e o Caribe. As conexões desse evento com o Atlântico Sul são muito promissoras para mim.
C&: Por que no seu trabalho é importante conectar-se com música e som?
AH: Black Atlantis é uma série de palestras-performance. Utilizando o conceito de imagem dialética de Walter Benjamin, examino como pensar por meio de som, imagem, água, violência e história como elementos de um arquivo ativo; e viajar no tempo como um método histórico. Um fio metodológico chave de Black Atlantis é levar em conta a história da Drexciya, uma banda eletrônica de Detroit cujo mito, construído por meio de encartes, descreve uma história na qual as crianças nascidas das escravas grávidas atiradas ao mar conseguiram se adaptar à vida debaixo da água, passando imediatamente a viver da água do oceano em vez do líquido amniótico, e então construíram uma Atlântida Negra chamada Drexciya.
A abordagem afrofuturista de Drexciya tornou possível um tipo de viagem no tempo, de forma a traçar um elo às condições atuais de migração no mar Mediterrâneo. O estilo de música feita pela Drexciya também mostra como a música afeta o corpo, a pele, os órgãos internos e suas profundas memórias históricas, que são ativadas por meio da música, do som grave e da vibração. Isso revela como a música opera como uma máquina da memória e uma força centrífuga que atrai os corpos que carregam as lembranças.
C&: O que a levou à conexão entre o afrofuturismo e o antropoceno? E quais as implicações de ter essa consciência nas nossas vidas hoje?
AH: A combinação desses dois discursos segue a crítica do geógrafo Phil Sternberg aos discursos do Atlântico Negro – que, conforme ele aponta, focam mais na superfície do que nas profundezas do oceano. Como resultado, a qualidade aquosa do oceano é perdida e, deste modo, sua qualidade tátil e háptica se perde. Quando materializamos o oceano, nos tornamos conscientes dele como um ambiente – de sobrevivência, de possibilidade, mas também da sua erosão, destruição e dele como um lugar de morte para os escravizados.
Aproximar afrofuturismo e antropoceno também abre espaço para duas relações com o futuro – como um espaço de resistência e contestação no afrofuturismo; e como um espaço que está se perdendo com a crise climática. Como pensar sobre esses dois tipos de futuro lado a lado e como partes da mesma luta? E como pensar no meio ambiente como uma testemunha viva e uma personagem na exploração dessas histórias violentas?
Ayesha Hameed é uma artista cujo trabalho explora as fronteiras e a migração contemporânea, a teoria crítica sobre raça, as teorias de Walter Benjamin e as culturas visuais do Atlântico Negro. Suas performances foram apresentadas no Instituto de Arte Contemporânea de Londres, The Showroom, no Programa de Oxford para o Futuro das Cidades, na Haus der Kulturen der Welt em Berlin e no Edinburgh College of Art.
Traduzido do inglês por Heitor Augusto.
Qual é o futuro das relações transatlânticas do Sul, sobretudo em relação ao papel da Europa no passado, presente e futuro? Estas questões serão discutidas na Conferência Ecos do Atlântico Sul, que acontece entre 23 e 25 de abril de 2018, em Salvador da Bahia.