A visão contemporânea de Florine Démosthène sobre o corpo – na forma de pinturas e colagens multimídia – representa aspectos distópicos de outro mundo e promove a exploração do nosso espírito divino pela artista. As protagonistas de Démosthène criticam os cânones da beleza através da narrativa de suas heroínas femininas autocriadas. Neste novo conjunto de trabalho, a artista pergunta: “Como nos conectamos com nossa essência interior? Como nos conectamos com nosso ‘eu’, quando nos desconectamos de histórias e religiões que nos foram ensinadas?” Magnus Rosengarten conversou com a artista sobre seu trabalho e, em particular, sobre como seu próprio corpo funciona como modelo.
Florine Démosthène, vista da instalação "Between Possibility and Actuality", 2019. Cortesia Galeria Mariane Ibrahim.
Contemporary And: Sua exposição atual na galeria Mariane Ibrahim, em Chicago, tem como título “Between Possibility and Actuality” (Entre possibilidade e realidade). Com que se parece esse espaço entre possibilidade e realidade? Estou interessado na forma como você o percebe.
Florine Démosthène: Esse é o espaço nebuloso do desconhecido, quando você está tentando entender o que você é e do que você é feito. É o processo de remover seu condicionamento social. Basicamente, aquele espaço cinzento de se redefinir e se transformar.
Florine Démosthène, Possibility (Possibilidade), 2019. Colagem em papel (tinta, mylar, pigmento em bastão, grafite e purpurina) 38 x 50 polegadas. Cortesia Galeria Mariane Ibrahim.
C&: Acredito que isso certamente tenha o poder de nos transportar para uma dimensão menos dominada por construtos sociais. É assim que você espera que seu trabalho seja percebido?
FD: Sim, acho que seria bom se a arte, a música, a dança ou qualquer caminho criativo tivesse o poder da autorreflexão.
C&: Que histórias você está contando em seu trabalho?
FD: Acho que contar histórias é uma parte muito intrincada do meu trabalho. Há uma narrativa implícita e ela não precisa ser necessariamente linear. Mas, através do verdadeiro título do trabalho, há um tipo de conversa contínua. As pessoas tendem a ler meu trabalho como um autorretrato, porque ele muitas vezes é sobre mim mesma. No entanto, não é isso. Eu me uso como referência, como ponto de partida. Também uso, talvez, alguns aspectos da minha narrativa, da minha biografia. O aspecto narrativo é definitivamente uma grande parte do meu trabalho.
Florine Démosthène, Before the Conflict (Antes do conflito), 2019. Colagem em papel (tinta, mylar, pigmento em bastão, grafite e purpurina) 38 x 50 polegadas. Cortesia Galeria Mariane Ibrahim.
C&: Para você, existe uma forma de descrever a realização? Como ela poderia parecer e qual seria a sensação?
FD: É uma experiência altamente individual. Eu chamo isso de ser forjado pelo fogo. É preciso passar por esse processo. É como uma forma de alquimia.
C&: Para finalizar, a figura feminina é um tema em sua obra. O que você está trabalhando aqui? Como isso a ajuda a enfrentar o espaço entre a possibilidade e a realidade?
FD: A figura feminina é algo que tenho usado predominantemente por estar prontamente disponível, ou seja, sou eu. Não tenho que me pagar e sou confiável. Quero desafiar as ideias sobre o tamanho ou o visual que as mulheres supostamente deveriam ter. O que supostamente deveria ser visto como feminino e bonito. Eu queria ir a um lugar onde me sentisse tão desconfortável me usando em minha obra de arte, para sair da minha zona de conforto, que agora isso se tornou confortável. No começo, tratava-se de me desafiar, para então forjar a ideia de heroína, mas trata-se também de finalmente olhar para o aspecto mental de tudo isso. É sobre esses três pontos que venho construindo minha história.
Florine Démosthène: Between Possibility and Actuality (Entre possibilidade e realidade) esteve em cartaz na Galeria Mariane Ibrahim, em Chicago, EUA, até 21 de dezembro de 2019.
Florine Démosthène nasceu nos Estados Unidos e foi criada entre Porto Príncipe, no Haiti, e Nova York. Atualmente, vive entre Nova York, Acra e Joanesburgo. Démosthène obteve seu bacharelado em Belas Artes pela Parsons School of Design em Nova York, e seu mestrado em Belas Artes pela Hunter College-City University, também em Nova York.
Magnus Elias Rosengarten é escritor e artista. Atualmente mora em Los Angeles.
Traduzido para o português por Soraia Vilela.