Leticia Contreras, nascida no Texas, cria cenários em sua arte. Sua análise recorrente da construção e desmantelamento do lar é uma reflexão sobre sua própria experiência cultural como “afro-chicana texana queer”. Recentemente participou de um intercâmbio artístico entre o Hyde Park Art Center, em Chicago, e o projeto Row Houses, em Houston, no Texas. Contreras conversou com a C& sobre esse intercâmbio e sobre seu papel como artista, ativista e professora.
Leticia Contreras, Estría Sagrada. Vestígios Preciosos, vista da instalação. Projeto Row Houses, Rodada 49: Penumbras: Geometrias sagradas, 2019. Foto: Alex Barber.
Leticia Contreras, Estría Sagrada. Vestígios Preciosos, vista da instalação. Projeto Row Houses, Rodada 49: Penumbras: Geometrias sagradas, 2019. Foto de Alex Barber.
Contemporary And: Uma das questões que me interessa é como você traz o conceito de lar para a sua prática: a interna, a espiritual, a ritualística.
Leticia Contreras: Sabendo que essas casas geminadas [no intercâmbio artístico do Hyde Park Art Center, em Chicago] evocam tanta história, quis brincar com a estrutura e torná-la mais fluida. Estava pensando a respeito de estar na costa do Golfo e sobre nosso relacionamento com a água e com as mudanças climáticas. É como essa ideia dupla de ter espaço para ver um ao outro e testemunhar a prática um do outro, planejar estratégias e criar visões para o futuro. Sofri realmente um impacto com essa última e engajada rodada de artistas que tinham uma instalação chamada How We Respond to Social Emergencies (Como respondemos a emergências sociais).
Temos que pensar sobre o coletivo e celebrar o conhecimento coletivo. Minhas próprias raízes e o conhecimento que me foi passado têm a ver com o hábito de ver a água como algo que molda o mundo à sua volta e os elementos mantidos dentro de seu contexto. E com todas as lembranças, a beleza e a alegria, e também com o trauma que repousa dentro da água e em nossos corpos; e como a água molda as comunidades, vidas e paisagens. Assim, em vez de tentar controlar isso, que tal negociar e ter uma conversa com esse ambiente?
C&: Adoro a maneira como você pensa a respeito da água definindo a forma, o que me remete à exposição Accidental Records (Registros Acidentais), de Ellen Gallagher, na Hauser and Wirth, em Los Angeles. Isso também me faz pensar em suas esculturas e em sua opção por trabalhar com fibras.
LC: Acho que a fibra me leva de volta à sensação de estar em casa e às tradições que me foram passadas. Gosto desses materiais, porque me agrada celebrar o conhecimento artístico da abuelita, que frequentemente não é celebrado como arte superior. Gosto de abordar o conhecimento da classe operária, frequentemente existente entre pessoas que trabalham com tecidos, seja uma costureira ou minha avó. Estou realmente interessada na linhagem de confecção de quilt, especialmente no sul. Gosto da ideia da produção de quilt como dispositivo narrativo e também dessa prática de se manter o calor e oferecer conforto.
Leticia Contreras, Estría Sagrada. Vertigios Preciosos, vista da instalação. Projeto Row Houses, Rodada 49: Penumbras: Geometrias sagradas, 2019. Foto de Alex Barber.
C&: Boa parte de sua prática está relacionada com localização e lugar e com a forma através da qual você se descreve como afro-chicana.
LC: Realmente divertido em How to Respond to Social Emergencies foi que alguns dos artistas participantes já se conheciam há anos, enquanto muitos nunca tinham se encontrado antes. Ver a sincronicidade dos trabalhos e dos materiais que escolhemos me fascina. Uma das coisas que penso sobre quilts é que eles refletem a tradição dos negros do sul na forma como as histórias são costuradas neles, como mapas que guiam para o norte. Muitas vezes, quando pensamos no Underground Railroad, as rotas secretas de fuga dos negros, não pensamos na enorme onda migratória em direção ao México, já que o México tinha abolido a escravidão. Eu frequentemente penso em mim mesma como uma sulista/artista do Sul Global, e portadora dessas histórias, tradições e conhecimentos.
Sou altamente influenciada pelo bordado e pela forma como ele é usado no México para identificar sua tribo e o seu povo. Antes dos anos 1960, não tínhamos esses outros espectros de cores que resultaram dos pigmentos artificiais introduzidos no mercado. Antes disso, trabalhávamos com tinturas naturais de insetos, plantas e frutas das nossas comunidades, o que novamente me remete à tradição amorosa e à relação com a terra.
Usar a criatividade de forma pioneira é um espaço tão vulnerável. Especialmente sendo artistas negras e negros, estão sempre esperando que falemos sobre o trauma e a violência que ocorrem em nossas comunidades. Mas somos seres complexos, há tanta coisa mais sobre nós. Então, será que as outras coisas podem ser celebradas, por favor?
C&: Isso parece muito específico do sul dos EUA: como influencia sua abordagem do trabalho?
LC: Sou da Luisiana, da Diáspora Negra e a terceira geração do que chamamos Texas. E meus bisavós um dia migraram do México. O sudoeste foi por muito mais tempo o que se conhece como México do que Estados Unidos, e é importante que pensemos nessas histórias. Acho que reivindicar uma identidade de afro-chicana é como um suave “foda-se” ao sistema, porque fomos arrancados dessa identidade. Isso também afirma que podemos definir o lar e que o lar também pode estar em muitos lugares, o que é igualmente bom. O Texas, e Houston especificamente, tem essa dinâmica realmente interessante, porque é uma cidade portuária próxima a Galveston. Ela oscila entre uma relação Norte e Sul, entre o Sul e o Norte globais e entre a historiografia do sudoeste e do sudeste.
C&: Em que você está trabalhando no momento?
LC: Atualmente, estou trabalhando numa obra de tecido em larga escala que vai medir 6,09 x 6,09 m, intitulada Suficiente Sustento. Em torno desses trabalhos, haverá várias peças penduradas contendo diferentes lembretes gentis convocando à tomada de espaço. É um convite para aqueles que se definem como folks of color pertencentes à comunidade não-binária, indígena, pobre ou à classe trabalhadora. Todas essas pessoas podem levar consigo uma das pequenas peças penduradas e qualquer pessoa que se identifique como branca e/ou rica pode fazer uma doação para a causa e também levar uma peça para casa.
Leticia Contreras é uma artista multidisciplinar e gestora cultural queer, afro-chicana, nascida e criada em Houston, Texas. Seu trabalho aborda temas da memória incorporada, alegria radical, bem como nosso relacionamento mútuo e com o meio ambiente. Ela utiliza materiais extraídos da natureza tanto como inspiração quanto como instrumento. Leticia trabalha com uma variedade de mídias, entre elas fotografias, instalações e performances, para revelar as histórias de um lugar. Espectadores cruzam a fronteira entre o testemunho e a participação.
Nan Collymore escreve, programa eventos de arte e produz ornamentos de latão em Berkeley, na Califórnia. Nascida em Londres, vive nos Estados Unidos desde 2006.
Traduzido do inglês por Soraia Vilela.