Intercâmbios entre artistas

Criando lastros na América Latina

Rede de pesquisa e projetos, a plataforma Lastro é alicerce para residências, grupos de estudos, exposições, publicações, arquivos, cursos livres e programação de espaços culturais, tendo por meta a criação de conexões entre artistas e profissionais da arte e cultura na América Latina.

A concepção desses glossários assim como outras ações de afirmação e luta compõem um inventário de processos anticoloniais. São iniciativas de resgate, reconhecimento e valorização do que é nosso, de como fazemos, pensamos e sentimos. A identificação de nossa linguagem, de nossos desejos. De uma história que sempre existiu, mas que nunca nos foi contada. E, principalmente, a nominação do opressor – ato que define o pensamento anticolonial.

Distância dos vizinhos

Ao longo da história, nós, latino-americanos, fomos submetidos a um longo processo de isolamento político. No caso do Brasil, a segregação em relação aos países vizinhos se consolidou de maneira mais visível. Disfarçada de dificuldade na diferença do idioma, o não pertencimento brasileiro a um devir latino-americano deve-se, sem dúvida, às estratégias ideológicas de enfraquecimento da região. Esse distanciamento é notável em todo o continente, em diferentes proporções, mesmo diante de episódios políticos e históricos semelhantes. De maneira geral, observa-se um panorama de desvalorização do que é local, repleto de reverências ao Norte.

Sistema de resistências

Algumas iniciativas de conexão surgiram, portanto, como tentativas de fortalecimento de laços e reconhecimento cultural. E a curadoria de arte, pensada como articulação de circuitos, tem papel fundamental na formação do pensamento em rede, elaborando sistemas de resistências. Desenhar novos mundos, novos trânsitos. Situar-se no interstício.

Foi a prática curatorial a partir desse viés que proporcionou a criação de “Lastro – intercâmbios livres em arte”, projeto que surge como desejo de criação de uma rede que una diversas cenas de artes visuais latino-americanas. Contudo, hoje, após 13 anos de existência, Lastro se consolida enquanto pensamento acerca das táticas que fraturam a estrutura do saber hegemônico. Ou seja, entendendo-se enquanto possibilidade a partir do acesso a uma epistemologia latino-americana anticolonial, além da crença na total legitimidade da produção criativa e intelectual do Sul global que prevê a quebra do projeto colonial.

Lastro baseia-se na colaboração e na autonomia. Enquanto rede, projeto, plataforma e pesquisa, pode assumir tais características de acordo com o contexto proposto, configurando-se, portanto, a partir de residências, conexão afetiva, grupos de estudos, exposições, publicações, biblioteca, arquivo vivo, cursos livres e ativações na programação de espaços culturais. Em todos os casos, seu alicerce é a autogestão.

Tendo iniciado no ano de 2005, em Buenos Aires, como uma iniciativa de intercâmbio de portfólios entre artistas cariocas e portenhos, o projeto se desenvolveu nos dez primeiros anos com o objetivo de catalogação de agentes e espaços da arte latino-americanos. Ao longo desse período, foram realizadas 17 residências que se desdobraram em uma plataforma digital, entre 2010 e 2015, com cerca de 2 mil usuários cadastrados, entre artistas, curadores, pesquisadores, espaços de arte, galerias, instituições e projetos artísticos.

O site Lastro divulgava também convocatórias, eventos, fórum de debates e ensaios críticos sobre arte e cultura contemporânea da Argentina, Colômbia, Chile, Equador, Bolívia, Paraguai, Venezuela e Cuba. Além do mapeamento online, o projeto também se constituiu em uma biblioteca com cerca de 900 títulos, entre catálogos e livros, de arte contemporânea, história da arte e sociologia, editados em países da América do Sul e Cuba.

Grupos de estudos e oficinas

Após completar sua primeira década de atuação, a plataforma passou também a conduzir projetos coletivos. As residências e exposições Lastro em Campo – percursos ancestrais e cotidianos (2015/2016) e Travessias Ocultas – Lastro Bolívia (2017/2018) foram realizadas através de dinâmicas de autogestão para a captação de recursos, logísticas de viagem e eixos conceituais de pesquisa.

Atualmente, Lastro tem se dedicado, entre outros, ao estudo dos processos anticoloniais na América Latina através de grupos de estudos e da elaboração de oficinas. O Grupo de Estudos Lastro é um coletivo de estudos e produção em arte, escrita e ativismo. Com periodicidade semanal, o grupo se reúne desde 2017, em São Paulo, partindo do interesse comum de desconstruir de narrativas hegemônicas e tendo como dinâmica de trabalho a produção de obras, exercícios político-estéticos e publicações em formato de fanzines.

As discussões e os desdobramentos são suscitados por leituras de autorxs provenientes do Sul global, análises de filmes, conteúdo da web e situações do cotidiano. Identificando-se como uma intenção de quebra do padrão, Lastro existe – e resiste – como estratégia para o coletivo, tomando a experiência como ferramenta de diálogo. Em suma, um projeto autônomo e livre em seus enlaces.

Beatriz Lemos atua como curadora e pesquisadora especializada em articulações em redes. É idealizadora da plataforma de pesquisa “Lastro – intercâmbios livres em arte”. Atualmente, coordena os programas autônomos Lastro Al Janiah (série de proposições no espaço cultural e restaurante palestino em São Paulo) e o Grupo de Estudos Lastro na Casa do Povo (SP).   

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