Com uma videoarte híbrida e inspirada no glitch, Maksaens Denis confronta os olhares coloniais, a violência estrutural e o corpo sacrificado, colocando em foco as subjetividades queer, racializadas e marginalizadas. Suas obras instigam o público a repensar o poder, a identidade e a fragilidade compartilhada no mundo fragmentado de hoje.
Denis Maksaens, "Resistir nos faz homens?". Instalação de vídeo em 3 canais em uma estrutura de metal e ferro representando o espírito vodu Ogou Badagri Dim. Dimensões: 2,90 m de altura x 3 m de comprimento. Cortesia do artista.
A moderna economia do turismo teve um papel crucial na criação de um imaginário exótico do Caribe, cheio de clichês e estereótipos. Até hoje, esse mundo imaginário continua a reforçar a ideia de um Caribe sensual, cheio de belas praias e esplêndidos pores do sol. O lugar ideal para todos os prazeres possíveis. Basta ter dinheiro para aproveitar. O exotismo é uma forma simbólica da dominação, que reduz a outra pessoa a um simples elemento do cenário.
Em Tragédie tropicale (Tragédia tropical, 2014), uma videoinstalação que combina projeções, arame farpado e uma trilha sonora composta por LeRobot, Maksaens Denis se posiciona contra essa visão estereotipada. No cerne da obra, está a questão do olhar: quem está olhando? Como olhamos e a partir de onde? Maksaens retrata corpos nus de homens hipermasculinos. A obra ilustra os estereótipos e clichês que limitam o Caribe a uma perspectiva simplista e reducionista, questionando os sistemas de representação do Caribe no imaginário ocidental. Brincando com o contraste entre “paraíso tropical” e “tragédia tropical”, Maksaens propõe uma leitura política desses lugares, revelando que os mesmos são atravessados por histórias, conflitos e uma memória frequentemente invisibilizada.
Maksaens Denis, "Tragédia Tropical", vídeo instalação, tela, arame farpado, trilha sonora por LeRobot, 2014. Coleção particular.
No cerne da obra, está a questão do olhar: quem está olhando? Como olhamos e a partir de onde?
Maksaens Denis é um artista midiático que vive entre o Haiti e a República Dominicana. Sua obra está em constante busca de experimentação, combinando várias técnicas e mídias, como performance, instalação, escultura e colagem. O resultado é uma obra híbrida, fragmentada, que encanta e hipnotiza, e é estreitamente relacionada à glitch art, uma arte das novas mídias centrada na prática do uso de erros digitais ou analógicos para propósitos estéticos.
Maksaens desenvolveu uma linguagem visual única, na qual utiliza novas tecnologias digitais e videoarte para expressar suas preocupações sociopolíticas, como a perda de liberdades e direitos fundamentais e a ascensão dos poderes conservadores ao redor do mundo. Para ele, o vídeo não documenta, mas envolve e perturba a legibilidade.
Maksaens Denis, "Performance Cabeça de Vidro", 2021. Cortesia do artista.
O resultado é uma obra híbrida, fragmentada, que encanta e hipnotiza, e é estreitamente relacionada à glitch art, uma arte das novas mídias centrada na prática do uso de erros digitais ou analógicos para propósitos estéticos.
A questão do corpo sacrificado é recorrente na obra de Maksaens. Em Saint Sebastian (São Sebastião), 2014, um artista de performance aparece nu, cercado por arame farpado e perfurado por flechas, em uma referência à figura do mártir Saint Sebastian em um quadríptico. O gesto poético-artístico de Maksaens é trágico, na medida em que suas instalações expõem as tensões irreconciliáveis entre o desejo de liberdade e bem estar dos indivíduos e as forças opressoras do mundo. Sujeito a uma situação de tensão permanente, muitas vezes o corpo do artista se torna o receptáculo da violência estrutural que o rodeia. Esse corpo negro seminu, cravado de flechas, cujo olhar voltado para o alto parece perdido e abatido, pode ser lido como a violência sofrida por indivíduos devido a sua origem, orientação sexual ou filiação.
Como Maksaens me contou em uma conversa no Haiti, essa figura reúne suas várias apreensões sociais e sexuais. Para ele, a figura do mártir é uma referência às lutas dos indivíduos, cujas expressões de identidade estão sendo cada vez mais ameaçadas pela ascensão global do conservadorismo. O mártir se transforma neste corpo político, um corpo que resiste e um corpo que muitas vezes acaba sendo sacrificado e esmagado seja pela censura, pelo autoritarismo ou pelo populismo.
Denis Maksaens, "Saint Sebastien", fotografia sobre tela 149,5 × 101 cm, 2016. Cortesia da Collection of Le Centre d’Art.
Sua videoinstalação Does Resisting Make Us Men? (Resistir nos torna homens?, 2018) exibida pela primeira vez na Mammon, uma exposição coletiva no Museu de Belas Artes em Split, Croácia, consiste em três filmes sincronizados exibidos em três telas montadas em uma estrutura de madeira e ferro. A obra aborda o vèvè, símbolo religioso de uso corrente em diversos ramos do Vodu, representando o guerreiro vodu loa Ogou Badagri. Filmados em vários locais, como cerimônias Vodu, cenas de mercados e da vida cotidiana, os vídeos são pontuados pela performance de um dançarino nu. Aqui, Maksaens questiona como nossa sociedade valoriza a força, em detrimento da vulnerabilidade e da fragilidade, e como essa hierarquia dos afetos exclui as mulheres, as minorias e os corpos queer.
A obra de Maksaens é sensível à injustiça social, ao racismo e à homofobia. Ela desafia nosso olhar e nossa posição como quem observa. Ela tenta nos oferecer novas perspectivas para que prestemos mais atenção às histórias das minorias, e re(habitemos) melhor o mundo. O artista nos convida a pensar de forma diferente sobre nosso relacionamento com a sociedade, para (re)habitá-la, não através da dominação ou sobrevivência, mas reconhecendo as fragilidades compartilhadas e a solidariedade que precisamos construir.
Maksaens Denis (1968, Porto Príncipe, Haiti) é um artista multimídia conhecido por suas instalações de vídeo experimentais que entrelaçam performance, fotografia e som.
Ervenshy Hugo Jean-Louis desenvolve críticas de arte com foco em narrativas curatoriais e estratégias artísticas caribenhas. É Diretor Assistente do Centre d’Art e colabora com a Associação de Museus do Caribe. Co-desenvolve o NOU-LA, um espaço independente de pesquisa para crítica, curadoria e arquivamento da arte haitiano-caribenha. Também integra a equipe executiva da Semana de Arte Contemporânea no Haiti.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva