C&AL: Seus trabalhos em audiovisual, Divina e Restituição, trazem fragmentos da vida da comunidade LGBTQIAP+. Esses corpos são protagonistas em um universo de santidade que é criado por você. Você deixa bem evidente nesses trabalhos o desejo de santificar estes corpos. Como tem sido esse processo?
Ode: Sobre Restituição, filme publicado no SHOWstudio e que integrou a exposição Intimidades Radicais, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, em 2022, este é um filme deixado propositalmente sem falas, uma vez que “travesti” não se traduz. É composto por sons cotidianos, como vinheta de jogo de futebol, som de carro de gás e músicas que eu ouvia tocar na casa dos meus vizinhos, uma versão acústica da canção Novo Mundo, de Yndi, uma amiga franco-brasileira, e por Wonder, da eterna Cláudia Wonder, que repete em francês que tudo vai ficar bem.
Já através dos três capítulos de Divina – que aludem ao verso bíblico João 14:6, O Caminho, A Verdade e A Vida – apresento Marcinha do Corintho de uma forma que contraria a retórica habitual associada às travestis. A cobri com iconografias de santas e pombo-giras. Quis explorar uma narrativa diferente: mostrar que travestis podem estar vivas, envelhecer, deixar um legado, serem vitoriosas e vistas como sagradas. É a mensagem que eu quero que não só Divina, como também meus últimos trabalhos, transmitam. Penso que a possibilidade de sonhar fecunda a vida e vinga a morte.
Ode nasceu na cidade de Itajubá, Serra da Mantiqueira (Minas Gerais). É curadora, escritora e artista multidisciplinar autodidata. Traz em seu trabalho o cuidado e o olhar santificado sobre os corpos de suas companheiras.
Daiely Gonçalves, brasileira, articula narrativas contra colônias, que se lançam sobre a representação de corpo e território em temáticas de raça e gênero. É artista, professora e pesquisadora.