Conversa com

Fidel Ernesto: transitando entre o digital e o físico

Em sua pintura, Fidel Ernesto, radicado em São Domingos, funde elementos da vida urbana e digital, sob a influência das ruínas do Caribe. Sua obra multidisciplinar, que inclui desenhos, gravuras e videoinstalações, está repleta de figuras distorcidas e ruídos que refletem os espaços decadentes da cidade.

C&AL: O ruído é um termo recorrente na arte digital, quando nos referimos à subversão do código. Qual o significado do ruído para você? E por que a ruína da forma nos trará a luz, como diz o título de sua primeira exposição individual?

FE: Na minha prática, tenho interesse em entrar nesses espaços mundanos, decadentes, em ruínas, o espaço entre as coisas, onde se encontra o que sobrou. Esses espaços fazem parte do nosso dia a dia, mas, por estarem tão próximos e estarmos tão envolvidos no caos dessa cidade (São Domingos), tornam-se invisíveis para nossos sentidos. É aí que encontro significado. As mensagens e imagens que se deterioram nas paredes e outras que, com o tempo, vão vindo à tona, as condições climáticas a que esses espaços estão submetidos, fragmentos incompletos espalhados por toda a cidade. Também sinto que, de alguma forma, os espaços que habitamos digitalmente, onde a informação chega a nós e não nós a ela, geram uma forma particular de ler e interagir com a realidade e os acontecimentos que chegam a nós através dos sentidos.

C&AL: Em suas imagens, há repetidas figuras humanas e não humanas sorrindo, gritando, em êxtase, muitas vezes acompanhadas de distorções e ruídos. Quem são esses corpos que você ilustra? E o que eles nos dizem?

FE: Para mim, o desenho é uma forma de liberar todos esses ruídos e informações que vão se acumulando na minha cabeça. Quando desenho, deixo a consciência e a razão de lado e começo a fazer marcas, movimentos e gestos sobre a superfície de forma contínua. De todo esse caos e ruído que emergem, surgem expressões faciais, gestos corporais, extremidades soltas… É como quando víamos bonecos na televisão em um embate entre dois ou mais personagens: formava-se uma espécie de nuvem, onde, às vezes, era possível distinguir punhos, pernas e expressões faciais. Sinto que os personagens que vão surgindo nessas paisagens ruidosas parecem estar desligados do que está acontecendo a seu redor, como se o filme que se projeta em sua mente não contemplasse o que está acontecendo em seu entorno imediato. Eu me interesso por saber como as micro-cenas/cenários vão sendo criados com personagens provenientes de contextos mutuamente distantes, mas conectados pelo ruído.

C&AL: Para produzir um projeto, uma exposição ou uma obra de arte, profissionais da crítica e artistas do Sul Global costumam trabalhar em conjunto. Que impacto a produção de diferentes artistas tem sobre a sua obra? E o que o coletivo significa para você?

FE: A internet abriu a possibilidade de entrarmos em contato direto com os diálogos e reflexões geradas em diversos contextos e perceber como temos muitas referências em comum. A qualidade multidisciplinar que predomina também é interessante; no meu caso, artistas locais muitas vezes trabalham com design, produções cinematográficas, comerciais, atividades pedagógicas, e até mesmo em coisas que não têm nada a ver, para poder se sustentar. Assim vai surgindo uma rede de relacionamentos entre diversos tipos de pessoas criativas, o que também traz novos olhares e visões para o fazer artístico fora dos eixos tradicionais.

Este texto foi produzido com o apoio da Caribbean Art Initiative.

Fidel Ernesto (São Domingos, 1998) artista visual multidisciplinar. As mídias pelas quais se expressa são desenhos em seu espectro mais abrangente, gravuras e videoinstalações. Em 2019, graduou-se em artes visuais e ilustração na Escola de Design Chavón. Exibiu suas obras e colaborações com outros artistas em exposições coletivas na República Dominicana e no México. Seu trabalho foi retratado em mídias locais, como a revista Hola Pardo. Ao referir-se a seu trabalho, Fidel declara: “Tenho interesse em colocar em evidência a acumulação de marcas e os diferentes processos a que são expostas as imagens que produzo”.

Guilherme Ferreira (Rio de Janeiro, 1996) é pesquisador, mestre e doutorando em comunicação e cultura pela Universidade do Rio de Janeiro, onde estuda arte contemporânea e pensamento ecológico. É membro da rede de pesquisas Anthropocene Commons e pesquisador visitante da Universidade Bauhaus de Weimar. Também trabalha como designer, escritor, pedagogo, curador independente e participa do coletivo brasileiro de artistas Acta.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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