Os trópicos são, como consequência de 500 anos de colonialismo e globalização, regiões paradoxais, carregadas de abundância, escassez e crise. O projeto Futura Trōpica, iniciado pelo artista e desenhista crítico Juan Pablo García Sossa, quer reescrever nossa compreensão dos trópicos como região e como mentalidade.
Investigações de Diana Pizano, Sebastián Lema e Nada Tshibwabwa. Cortesia de Futura Trōpica. Daniela Medina Poch
Daniela Medina Poch: O que é Futura Trōpica?
Juan Pablo García Sossa: A Futura Trōpica é uma rede intertropical e descentralizada composta por redes locais, que conecta comunidades e territórios no cinturão tropical do planeta, a fim de trocar conhecimentos, tecnologias e projetos endêmicos. Por um lado, é um projeto de pesquisa que pretende fortalecer e canalizar conversas entre comunidades no cinturão tropical, para redefinir nossa compreensão dos trópicos. Por outro lado, é uma interseção de redes: redes locais e de afeto, e redes a partir de uma perspectiva técnica e infraestrutural, o que inclui internet, intranet, wi-fi, etc. Os nós atuais são Bogotá, Kinshasa e Bengaluru, onde há 30 colaboradores ativos de diferentes perfis e práticas de vida.
DMP: Como os trópicos foram excluídos das narrativas globais, e que estratégias a Futura Trōpica propõe para reclamá-los?
JPGS: Os trópicos são regiões historicamente desvalorizadas e exotizadas. Têm sido considerados apenas para a exploração de recursos, ou como campos de experimentação não monitorada (como no caso da Cambridge Analytics, no Quênia). O sistema de globalização e progresso que estigmatiza os trópicos como uma região “subdesenvolvida” gerou na região uma ânsia de “alcançar” o mundo “desenvolvido” através da importação de ideias externas de progresso, e impedindo-nos de analisar nossas próprias noções de desenvolvimento. Os trópicos raramente têm sido reconhecidos como um lugar de onde emerge conhecimento. Por exemplo, partindo da ideia da “lacuna tecnológica”, acredita-se na inexistência de tecnologias oriundas do Sul Global ou dos trópicos.
Diana Pizano, Alimentos endémicos / Paisagens Bioculturais. Cortesia de Futura Trōpica.
O projeto Futura Trōpica busca quebrar essa estrutura, sob a qual somos supostos receptores passivos do Norte Global. Ao mesmo tempo, a iniciativa procura reforçar e canalizar conversas sem hierarquias entre o continente africano, Abya Ayala, Industão, ou o Sul da Ásia e Polinésia, para reconhecer e desenvolver tecnologias que comumente tenham sido consideradas inferiores ou obsoletas. O Futura Trōpica busca propor concepções não binárias do planeta, que vão além das categorias de Ocidente/Oriente, Norte/Sul. E ao mesmo tempo, o projeto quer mostrar que, nesse cinturão tropical, compartilhamos certas diferenças que, no final das contas, nos tornam iguais.
DMP: Seria possível falar mais sobre o conceito de “mentalidade tropical”?
JPGS: Parto do princípio de que há certas peculiaridades na forma como as populações dos trópicos respondem aos pulsos de seus ambientes, a esses coquetéis de sol, diversidade e crise que fazem a realidade superar a ficção quase todos os dias. A ideia dos trópicos como mentalidade brinca com a etimologia da palavra “trópicos”: a palavra grega tropikos vem da crença de que o sol girava nos solstícios do Trópico do Câncer para o Trópico de Capricórnio, e novamente de volta.
Trópicos é o ponto de virada, o ponto de inflexão, que é também a crise, de tal forma que tropikos como mentalidade implica em transformar esses pulsos ambientais, ou seja, em rejeitar o impossível e usá-lo como meio. Exemplos dessas práticas são o “jeitinho” e a “gambiarra” brasileiros, o “jugaad” indiano, o ganês “goorgorlou”, ou o “rebusque” latino-americano, ou seja, formas criativas de improvisar para buscar soluções.
Juan Pablo Garcia Sossa, Reparación y memorias en Bogotá y Bengaluru. Cortesia de Futura Trōpica.
DMP: Como se pode entrar em contacto com o Futura Trōpica?
JPGS: A rede Futura Trōpica é semiprivada e só pode ser acessada através da conexão a redes wi-fi locais presentes em determinados pontos geográficos, como Bogotá, Kinshasa e Bengaluru. O principal interesse da Futura Trópica é fazer com que esse conhecimento flua dentro do cinturão tropical, sem hierarquias, evitando o olhar externo e mantendo uma certa opacidade que evite a exposição total aos sistemas exploratórios e extrativistas digitais em que vivemos (“capitalismo de vigilância”).
Periódica e temporariamente oferecemos “portas abertas”, dias em que habilitamos pontos de acesso público a partir de qualquer lugar do planeta. Com a finalidade de gerar canais alternativos de disseminação de informações, o conteúdo da Futura Trópica também circula em pendrives, em formato semelhante ao do “pacote semanal” de Cuba. Queremos entrar em contato com outras redes de pessoas distribuídas dentro do cinturão tropical. Então, sintam-se à vontade para entrar em contato, sabendo que podemos prover a instalação de um acesso.
Para ver mais sobre a rede: futura-tropica.network
Começado por jpgs – Juan Pablo García Sossa
Suporte técnico Sarah Grant
Atuais colaboradores:
BOGOTÁ Estación Terrena Bogotá Valentina Medina Álvaro Rodríguez Badel Eblis Álvarez — Meridian Brothers Diana Pizano — Comiendo Cuento Sebastián Lema x Organizmo Paulo Cesar Acosta Eliana Muchachasoy — Benach Galería Sibundoy Juan Covelli Wilmer Rodríguez EL PAISA
BENGALURU Yatharth Komal Jain Deepikah Bhardwaj Kevin Angelus & Vedant Sharma — Indian Ephemera / Design Minus Design Ishita Shah — Curating for Culture Aastha Gupta & Prateek Shankar — The Urdu Project Debanshu Bhaumik Karthika Sakthivel Prabir Chitrakar
KINSHASA Nada Tshibwabwa Elsa Westreicher Timbela Batimbela Yo (coletivo) Maman Adeline Boyube Judith Kaluaj Maman Iza & Papa Lofo Kill Bill Lumumba Lab
…e muitos mais.
Daniela Medina Poch (Bogotá, Colômbia, 1992) é uma artista visual, escritora e pesquisadora interessada em explorar as complexas interrelações entre o Sul Global e o Norte Global. Vive em Berlim e faz parte da rede de mediadores de The New Patrons, além de cursar um mestrado em Arte em Contexto, na Universidade das Artes, em Berlim.
Tradução: Cláudio Andrade