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Haroldo Sabóia: Entre palavra, corpo, gesto, memória e imagens

Nascido em Fortaleza, no Ceará, Haroldo Sabóia tem uma riqueza de influências culturais que moldam sua perspectiva artística. Morando hoje em São Paulo, o artista faz mestrado em psicologia clínica, onde suas pesquisas se voltam para um campo da linguagem do corpo, da música e da dança.

Em sua obra Correspondências, uma instalação que surge através de outros trabalhos do artista de investigação com as palavras, podemos visualizar a confluência entre os sentidos e o grande apelo pelo significado do não-dito da palavra que é ali posta através de fragmentos coletados. O artista propõe um traspassamento imaginário utilizando objeto de uma localidade para criar uma cartografia dos atravessamentos entre significados, lugares e pessoas. A pesquisa teve início em 2015 durante uma residência em artes visuais no instituto Porto Iracema, em Fortaleza, com a colaboração do pesquisador e curador Julio Martins. Sabóia apropriou-se do mapa do estado do Ceará para construir um mapa ficcional, percorrendo lugares como Deserto, Ventura, Solidão, Miragem, Passagem e Prazeres, que representam não apenas paisagens físicas, mas também sentimentos e estados humanos.

A pesquisa do artista foca na compreensão da linguagem como uma ferramenta de narrativa e imaginação, explorando a relação entre a palavra e o lugar, e como a linguagem constrói ficções, simbolismos e significados. Correspondências refere-se a esses objetos-palavras dispostos como instalação no espaço, que nos levam a esse sentido da linguagem investigando a imaginação como uma ação política, ela como matéria fundamental para a invenção e a formação do sujeito no mundo. A pesquisa também enfoca o desmontar da língua, a construção de uma história e a defesa da imaginação, da fantasia, da narrativa e da palavra como ferramentas políticas de desconstrução e empatia. Todo o processo de trabalho é registrado em um caráter fragmentário, com anotações, reflexões, relatos e debates, criando uma memória material das coisas lidas, ouvidas e pensadas, para serem utilizadas e incorporadas no projeto.

“Coletei objetos nesses lugares, tinha uma coisa de rastro dos espaços, o rastro da palavra. Pensei na relação das coisas. O que acontece quando um corpo encontra uma palavra?”, pergunta Haroldo Sabóia. “Que, no caso, era o meu corpo encontrando uma palavra que era o espaço, uma cidade, onde havia pessoas, histórias. Tinha o pensamento do que se gera neste encontro com essa palavra, que está materializado ali naquele espaço? Correspondências surgiu muito assim, porque nesse processo eu troquei muitas correspondências com muitas pessoas. Este era um trabalho muito solitário, e eu buscava interlocução para pensar no trabalho também. Nesse processo, nessas coletas, tinha a ideia de pensar escultoricamente nessa palavra no espaço, já que essa palavra é espaço. Como é que eu a transformo em escultura sem necessariamente ser tão literal assim? Sem trabalhar a literalidade do texto, enfim? E aí surgem esses blocos de papel. Que, ao mesmo tempo, criam essa dimensão da escultura. E também trazem esse significante do texto, que é a palavra.”

Haroldo também se aproximou da música nos últimos tempos, enxergando-a como uma forma de narração da memória e ferramenta para pensar o tempo, o espaço, a voz e a escrita. Uma outra dimensão da palavra em seu atravessamento do coletivo. Em seu atual trabalho em desenvolvimento, Oração, um curta que vai desenvolver a musicalidade e o corpo como uma herança e um elemento que rompe com a escrita descritiva. Eu o denominaria como uma “escrevedura transparente”, interessando-se pelo enigmático e pelo mistério, mas também como uma prece que caminha como uma afirmação do existir através dessa oralidade. O trabalho se inicia com uma música que faz reverência ao Ilê, um dos primeiros blocos Afro-brasileiros de carnaval, e a outros saberes diaspóricos. Na medida que se desenrola, conecta-se com outros trabalhos do artista, como Oráculo, que traz a dimensão do samba e a música como uma prece coletiva, que cria sentido e une uma ideia de Brasil, O Brasil dos iniciados no mistério, o lugar em que as palavras acessam o corpo e a memória e criam imagens ou despertam imagens pela memória, cria a narrativa de ações do corpo para o corpo pelos sentidos dos sons e imagens das palavras ditas e não ditas.

A canção é o ponto de partida para seu trabalho Oráculo, uma série de faixas desenvolvida em 2019. Através do samba, traz consigo 21 trechos de canções que formam uma iconografia desse matrimônio brasileiro. Haroldo Sabóia seleciona canções de samba que abrangem um período de cerca de 30 anos, do início ao fim da ditadura militar no Brasil, um período simbólico para o fazedor de samba no país. O artista apresenta o samba nesse trabalho como um mecanismo de várias profundidades, mas que também utiliza para propor imaginações e afirmações no presente, enquanto ativa memórias individuais e coletivas, sendo uma expressão política. O samba é uma forma sofisticada de elaboração do comum, onde o individual e o coletivo se encontram e falam sobre o cotidiano de um povo pela sua linguagem musical. O trabalho se faz como uma convocação de vozes coletivas.

O trabalho de Haroldo Sabóia se condensa em camadas que vão virando um corpo de especificidades e que se unem uma à outra. O artista traz consigo a ideia de perder as bordas que delimitam a criação e de enxergar o trabalho sempre em transformação, já que a palavra é um dispositivo de estímulo para nossas percepções. A obra está em uma constante de morte e vida, dado seu poder de encruzilhadas pelo corpo, oralidade e memória, que nos transportam para a linguagem de sua produção, que é a do mistério, da dúvida, do que a experiência nos convida.

Haroldo Sabóia (1985) é cearense, artista visual, pesquisador, fotógrafo e cineasta.

Daiely Gonçalves, brasileira, articula narrativas contra colônias, que se lançam sobre a representação de corpo e território em temáticas de raça e gênero. É artista, professora e pesquisadora.

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