Conversa com Jaider Esbell

“Também temos o que mostrar: a nossos modos, com nossos protocolos”

O artista indígena Jaider Esbell teve seu primeiro encontro com a arte através das histórias que seu avô contava sobre a cosmologia Makuxi. Em entrevista, ele fala sobre seu interesse em trazer uma maior compreensão entre os universos indígena e branco através da arte.

C&AL: A cor é um elemento marcante em seu trabalho. De onde vem sua paleta de cores? Qual a importância da cor para você?

JE: A energia das corres me alimenta a alma. Minha alma é plenamente colorida, pois assim me mostra meu avô ancestral Makunaimî. Somos de uma linhagem que tem na transformação as bases de nossa forma. As cores são, portanto, assim como o som de nossa música, nossa plataforma de existir e proporcionar existência. Já estivemos em outros momentos diante de total escuridão e foram os fragmentos de luz que nos guiaram nessa travessia. Quando sobrevivemos aos tempos das trevas, as cores que nos mantiveram vivos se ampliaram vertiginosamente. Não sabemos viver em um mundo pastel, ou cinza, ou preto ou branco. Preferimos o colorido.

C&AL: Em sua recente exposição na Galeria Millan, você se debruça sobre a árvore-pajé em seus trabalhos. O que a árvore-pajé representa e por que você decidiu trabalhar com ela como mote?

JE: Para nós, artista e pajé, no princípio, são a mesma pessoa ou ser. Não fazemos distinção entre as funções. Com o avanço do pensamento colonial eurocentrista em nosso meio, começamos a cair nas armadilhas de achar que há distinção entre as funções. Com a noção de arte a nosso favor, podemos, enquanto indígenas, vislumbrar a possibilidade de tradução, ou de reaproximação de nossa própria natureza. Agora se você me perguntar se sou, então, um artista e pajé, digo que não, embora saiba que, ao manipular publicamente os efeitos do jenipapo, falo ao mesmo tempo de tudo.

C&AL: Como você vê a arte indígena contemporânea? Qual o caminho que ainda precisa ser percorrido para a arte indígena ter mais espaço?

JE: A arte indígena contemporânea vem construindo seu espaço, no seu próprio tempo, pois, como já disse, trata-se de um sistema plural próprio. Considero que temos construído, ao longo das duas últimas décadas, uma jornada fabulosa, embora ainda não seja vista exatamente por falta de tradução, de compreensão, por racismo e discriminação entre outros equívocos de relação. A tradução é um espaço que muito nos interessa. Não pensamos os “espaços da arte” como um espaço a ser alcançado, ocupado. Quando digo que temos os nossos próprios sistemas de arte, e eles estão onde deveriam estar, que são nossas comunidades, talvez eu queira dizer que isso é um convite para que o outro, o “branco”, entre em nosso universo pela porta da frente. E, para dizer isso, precisamos, ainda, sair de nossas casas para adentrar cerimoniosamente o “espaço da arte” branca, e dizer que nós também temos o que mostrar, mas aos nossos modos, com nossos protocolos.

C&AL: Na sua série “Era uma vez Amazônia”, você chama atenção para diferentes práticas que estão destruindo a floresta. Para você ser artista é também uma forma de ativismo político?

JE: Tenho toda a certeza que sim. Se os artistas indígenas não pensam e não agem dessa forma, provavelmente repetem o erro do colonizador. Se não tivermos a noção clara de que precisamos frear a destruição da fonte da vida, não somente para nosso próprio bem, mas para o bem geral de todas as formas de vida, sem distinção, isso não é artivismo. Isso seria e é talvez, revanchismo, ilusão, tentativa de vingança, desordem socio-cosmo-política, apartheid reverso, uma outra forma de loucura e obsessão.

Jaider Esbell é produtor cultural, curador, escritor e artista de origem Makuxi.

Camila Gonzatto escreve sobre cinema, literatura e artes visuais para diversas revistas e publicações acadêmicas. É membro da equipe editorial da Contemporary And América Latina.

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