Conversa com

Johan Samboni: Reescrevendo histórias urbanas

Em sua obra, Samboni revisita a tradição fotográfica e a identidade em contextos reais e fictícios, refletindo sobre a relação entre usuários e personagens em videogames. Sua pintura busca compensar a imaterialidade digital com a materialidade física, espelhando preocupações sociais e culturais como protestos e dinâmicas de poder.

C&AL: Reescribir las rutas (Reescrever as rotas) foi um projeto ativista que se transformou também em uma obra multidisciplinar de performance, vídeo, desenho e pintura. Pode falar mais sobre como ele começou e qual seu papel nele? E qual é a conexão entre os protestos na Colômbia e em Los Angeles presentes nas suas pinturas?

JS: O projeto Reescribir las rutas começou com o design de uma exposição em um salão comunitário do meu bairro. Era uma espécie de sonho coletivo e um exercício de ressignificação do espaço, que antes se chamava Puerto Rellena. Porque era como uma zona de venda de fritanga, e, durante a greve de 2019, decidiu-se mudar o nome do espaço, que foi utilizado como um ponto de encontro durante os protestos. Já em 2021, depois dessa exposição, veio a explosão social, durante a qual Puerto Resistencia se tornou referência nacional, para esses protestos, levei a rota que havia mudado para que usasse o novo nome do espaço, e manifestantes o utilizaram como cartaz de protesto. Considerava muito poderoso o fato de o transporte público de Cali realmente estar em circulação – nesse caso, os jipes.

Com relação à conexão entre os protestos de Los Angeles e Cali, ela é provém de um jogo de relações que estabeleço com o videogame GTA San Andreas. Eu me lembro que, no jogo, havia alusões a protestos, pois tinham libertado um policial corrupto, a cidade ardia em chamas e um caos era retratado dentro das possibilidades gráficas de um jogo de 2004. Quando aconteceram os protestos em Cali, me lembrei das cenas do jogo e comecei a pesquisar à que as mesmas se referiam na na vida real. Descobri que essas manifestações aconteceram porque um juiz libertou quatro policiais.

C&AL: Se nos están metiendo a los conjuntos fala de dinâmicas, que, embora muito acentuadas na Colômbia, ainda são um tabu. Você acha que, ao longo dos anos, as dinâmicas de poder nas artes estão mudando na Colômbia? E como sua arte se insere nisso?

JS: Não sei se entendo muito bem as dinâmicas de poder e suas mudanças. Percebo que pessoas que pertencem a setores historicamente marginalizados e invisibilizados vão entrando aos poucos nessas dinâmicas elitistas da arte. Observo que os lugares concedidos a artistas desses contextos também têm condições estabelecidas por uma ordem colonial, que espero que comece a ser questionada. Por isso, tenho interesse em colocar essas perguntas e afirmações sobre a mesa: o que essa arte de pobres faz na casa de algum mauricinho? Essa arte que levanta questionamentos para o público e para o próprio criador. Parece-me que há muitos processos ocorrendo na arte, que, de início, tem mais força no campo institucional e dos museus e estão provocando transformações poderosas nas formas de se fazer arte e se relacionar com as instituições. Muitas dinâmicas mais coletivas ou com uma ênfase mais pedagógica conseguem ter impacto em um público mais amplo do que o que se encontra no mercado. Quero poder ocupar espaços nos dois lugares, sinto que esse é o desafio. Quero levar parte dinheiro das artes para outros lugares, que não contavam com ele antes.

C&AL: Em que projetos você está trabalhando?

JS: Estou trabalhando em torno de reflexões sobre minha própria construção de identidade como pessoa afro-indígena a partir das coisas em meu entorno. Meios de comunicação, esportes, música, estereótipos, contradições, a ferida colonial, a exotização como problema de quem olha a partir de um lugar hegemônico. Para esse projeto, que foi apresentado em abril, na SGR Galería em Bogotá, utilizei materiais de construção, camisetas esportivas, tênis pirateados, fotografia, pingentes, impressões em 3D e pintura a óleo.

Tradução: Renata da Ribeira

Tópicos