A artista Tessa Mars reflete sobre a situação política e social do último mês no Haiti – e a reação dos artistas à atmosfera geral de catástrofe.
Ilustração: Edson Ikê
C&AL: Como você descreveria o que tem acontecido no Haiti nos últimos meses?
Tessa Mars: Na manhã de 30 de junho de 2021, as notícias sobre o assassinato à noite da militante feminista, ativista e jornalista Antoinette Duclair e do jornalista Diego Charles começaram a se espalhar pelas comunidades haitianas locais e pelo mundo. Um total de 15 pessoas foram mortas naquela noite, o que encheu de sentimentos de choque, medo, raiva e tristeza os corações daqueles que os conheciam e amavam. Da mesma forma, cresceu a certeza de que esses crimes absurdos e violentos ficariam impunes e não seriam solucionados.
Estamos vivendo o que parece ser o colapso total das nossas instituições públicas e uma lenta dissolução do tecido social do nosso país. Os níveis de insegurança continuam subindo, na medida em que as gangues se tornam mais ativas e destemidas, e ficou claro que o Estado não está disposto nem é capaz de restabelecer um clima de segurança ou de trazer ajuda aos mais afetados pelo declínio constante da economia.
Em 7 de julho de 2021, o próprio presidente Jovenel Moïse foi assassinado. Ninguém está seguro, ninguém mantém o controle. A comunidade internacional, o governo (ilegítimo) no poder, os partidos políticos, a oposição e a sociedade civil estão mergulhados em uma cacofonia onde ninguém ouve o outro. Enquanto isso, aqueles que lucram financeiramente com esses tempos conturbados e se aproveitam do status quo agem silenciosamente nas sombras.
C&AL: Como a comunidade de artistas da ilha está reagindo a esses eventos?
TM: Um mês após as mortes de Netty e Diego, artistas, militantes, amigos e familiares se reuniram para prestar homenagem, expressar seu luto e lembrar. Como comunidade, sabemos que temos que nos manter organizados e unidos, e que o protesto e o diálogo são os caminhos que temos para seguir em frente nos tempos difíceis. Artistas e criadores, juntamente com ativistas, jornalistas e cidadãos preocupados, se esforçam para criar espaços de solidariedade e intercâmbio onde as pessoas possam se conectar e compartilhar a esperança, a coragem e as ideias.
Há uma sensação real de que os riscos são maiores do que nunca, e de que todos aqueles que falam ou agem são um alvo em potencial. Mas, assim como os riscos, também cresce a sensação de que não podemos ficar com medo, sofrendo em silêncio – e de que isso não pode continuar.
C&AL: Que esperanças ou expectativas você tem sobre os próximos meses na ilha?
TM: As investigações sobre os assassinatos que aconteceram em julho, incluindo o do presidente, não estão chegando a lugar nenhum, como era de se esperar. A insegurança, que tinha diminuído um pouco nos últimos tempos, voltou a uma condição de pleno vigor. E estamos distantes de uma transição política que seja aberta a representantes de todos os grupos. Muito pouco vai mudar em um mês.
O maior desafio hoje é alcançar aquilo que os cidadãos e políticos de expressão vêm defendendo desde a queda da ditadura em 1986: um diálogo ou um fórum nacional que reúna todas as forças ativas do país para decidir o futuro do Haiti, longe dos interesses dos clãs e dos partidos. Precisamos de uma trégua e precisamos recomeçar a partir de outras bases.
Isso vai levar tempo, mas há energias trabalhando em prol disso. Há consciência política em certos círculos de jovens haitianos e entre a população em geral, as ideias vêm sendo compartilhadas através das redes sociais, às vezes até… As pessoas começam a se tornar mais atentas às mentiras, manipulações e ao cinismo frio. Penso que estamos enfrentando hoje um dos maiores desafios da história do nosso país, mas realmente acredito que há dentro de nós a força necessária para mudar esse cenário e construir o Haiti que queremos.
Tessa Mars é uma artista visual haitiana que vive e trabalha em Porto Príncipe. Ela concluiu seu bacharelado em Artes Visuais em 2006 na França. Entre 2006 e 2013, trabalhou como coordenadora de projetos culturais na Fondation AfricAméricA. Desde 2013, tem se concentrado em sua carreira como artista. Seu trabalho vem sendo exibido no Haïti, no Canadá, na França, na Itália e nos Estados Unidos.
Tradução: Cláudio Andrade