Amigos e colaboradores da Contemporary And América Latina (C&AL) refletem sobre os destaques deste ano que termina.
No Martins, Já Basta! III (Serie #JÁBASTA!).
Coco Fusco: Tin Man of the Twenty-First Century, 2018. Cortesia Art Basel.
Jonathas de Andrade: Eu, mestiço, 2017. Cortesia de Alexander e Bonin, Nova York.
Ramatu Musa, escritora estadunidense nascida em Serra Leoa, cujo trabalho enfoca cultura, atualidades e geopolítica. Vive na Suíça.
Meus destaques para 2019 foram Eu, mestiço, de Jonathas de Andrade, e Tin Man of the Twenty-First Century, de Coco Fusco – ambos vistos no setor Art Basel’s Unlimited, na Suíça. Elevada a grandes dimensões (mais de três metros de altura) e com uma expressão ridícula no rosto, a instalação de alumínio e aço de Fusco imita as estátuas de veneração amadas por líderes autoritários. Tin Man incorporou a energia absurda e não presidencial de Donald Trump, que está atualmente destruindo as normas constitucionais da República dos Estados Unidos da América. Eu, mestiço é fantástico como denúncia contra aquilo que se chama de utopia racial do Brasil. Jonathas de Andrade justapôs descrições textuais do relatório da Unesco de 1952, intitulado Raça e classe no Brasil rural, com fotografias de brasileiros nos dias de hoje encenando sua “raça” de maneira a parecer subversiva. Eu, mestiço é uma instalação poderosa, considerando a forma como Jair Bolsonaro está desmantelando o legado socialmente progressista de Lula da Silva. Ambos os trabalhos são carregados de energia política.
Coco Fusco: Tin Man of the Twenty-First Century, 2018. Courtesy Art Basel.
Tiago Sant’Ana, artista brasileiro
O ano de 2019 foi complexo no que se refere ao contexto político na América Latina. Tivemos a insurgência de vários movimentos populares contra governos liberais (como no Chile), enquanto no Brasil assistimos ao fortalecimento da extrema direita – com seus apelos de violência contra minorias, contingências no setor cultural e censura nas artes.
Como resposta a isso, vários artistas trabalharam para se contrapor ao avanço de políticas conservadoras, articulando não apenas questões macropolíticas, mas também fatores que operam na tentativa de mudar subjetividades e o imaginário. Nesse contexto, um dos destaques de 2019 no panorama artístico brasileiro foi a exposição coletiva “À Nordeste”, que aconteceu no SESC 24 de Maio, em São Paulo. Sua curadoria revelou tensões regionais dentro do próprio Brasil, mostrando o quanto da produção artística do Nordeste brasileiro aponta, tanto histórica quanto contemporaneamente, para áreas que escapam das políticas conservadoras.
Além dessa exposição, destaco a pesquisa no corpo da obra criada pelo artista visual No Martins, que preenche suas pinturas com vigor estético e político através de um olhar sobre as narrativas, formas de vida e resistência da população afro-brasileira nos dias de hoje.
Albertine Kopp, diretora da Iniciativa Caribenha de Arte (CAI)
A CAI está se preparando para seu primeiro grande projeto, que nos foi concedido pela Fundação Cultural Basel Hermann Geiger (KBHG): em 2020 (maio a julho), a CAI, com curadoria de Yina Jiménez Suriel e Pablo Guardiola, apresentará a exposição inaugural no novo espaço de exibição permanente da KBHG, em Basel. A mostra vai trazer arte contemporânea de todo o Caribe, sendo um marco importante para a nossa ainda jovem organização sem fins lucrativos. Conseguir esse impulso, que nos projeta para a frente, foi uma grande conquista para a CAI em 2019. Desejamos e esperamos poder ampliar nossa família em 2020! Feliz Ano Novo!
Lia Colombino, diretora do Museu de Arte Indígena em Assunção, Paraguai.
No Paraguai, estamos experimentando uma certa divisão entre política e práticas visuais. As eclosões políticas na América Latina não têm ressonância no nosso país. Estamos submersos em um longo cochilo pós-ditatorial. A arte tem sido para o Paraguai um lugar de resistência, algo que ainda existe hoje, mas não tem tido a eficácia que seria desejável no sentido de interferência, de algo que interrompa, mesmo que por um segundo, o fluxo da rotina cansativa dos dias.
Marina Reyes Franco, curadora independente de Porto Rico
Fazer arte e trabalhar no setor cultural em Porto Rico, no ano de 2019, significa criar e impulsionar projetos em meio à crise econômica que persiste desde 2006. Futuros políticos incertos, a migração em massa e a devastação deixada pelos furacões Irma e Maria – bem como a forma terrível como lidamos com ela – são fatores que deixaram muita gente na luta pela sobrevivência. Ao mesmo tempo, essa atenção sobre Porto Rico tem também criado oportunidades para artistas e profissionais ligados à cultura (inclusive para mim mesma), para que permaneçam em Porto Rico e continuem avançando em prol de nossos interesses e preocupações. Poder ficar em casa, estar próxima da família e também começar um trabalho no Museu de Arte Contemporânea de Porto Rico, com planos futuros de exposições, curadorias artísticas e intercâmbios intercaribenhos, é a coisa mais transformadora que me aconteceu. De um modo geral, não há dúvida de que os eventos do verão de 2019 foram os mais importantes. O fato de centenas de milhares de nós – submetidos ao colonialismo – termos nos levantado contra o governador e outros membros da administração, depois que um chat no Telegram, com 889 páginas cheias de desdém pelo povo, vazou para equipes de jornalismo investigativo, foi incrível! Durante 12 dias, em julho, os porto-riquenhos foram às ruas exigindo a renúncia do líder do governo. Ele foi forçado a deixar seu cargo e também a ilha. Imediatamente depois que a notícia circulou, comemoramos, mas ao mesmo tempo um sentimento de pavor tomou conta de mim: E AGORA? O ativismo e as contribuições dos artistas também ajudaram a trazer à tona a imensa mobilização popular, incluindo pessoas que jamais haviam pensado antes em fazer parte de uma manifestação política. Temos muito trabalho a fazer, mas a arte nos dá ideias sobre futuros possíveis.
Keyna Eleison, curadora brasileira
A arte e a política nunca estiveram separadas uma da outra. A atual estrutura violenta e silenciadora tenta desenvolver argumentos vazios, que justifiquem formalmente a diferença entre uma e outra. No entanto, arte e política, ambas oriundas das humanidades, situam-se no campo da vida e possuem o mesmo agente: as pessoas. Nos dias de hoje, quando essa estrutura vem produzindo um ambiente hostil, o campo da arte está tentando compreender seus poderes de manutenção e implosões dentro do status quo. E o ponto mais marcante é que muitos desses podores não são dicotômicas, não se opõem, frequentemente caminham juntos e se complementam. Assim como a crítica real a erros burocráticos pode levar a uma estrutura mais corrupta, em vez de mais livre e consciente, a cena da arte está ancorada na revolução e pode ser apoiada por discursos antigos e despóticos.
Como curadora, minha revolução vem quando assumo a possibilidade do erro na crítica e a revisão constante no discurso, que assim se atualiza, fortalecido, sem medo de cair em contradição. Pesquiso e trabalho para poder ter a liberdade de entender meu papel na dúvida e na sua necessidade de formar e deformar. Dentro de um ambiente de hostilidade, chego com amor – um método para desenvolver conceitos, bem como para apreender epistemologias, a presença de corpos como literatura e a pedagogia em espaços e temporalidades.