Retrospectiva

María Magdalena Campos-Pons: mapeando as geografias globais da diáspora negra

Abrangendo quatro décadas, a retrospectiva apresenta a arte multidisciplinar da artista cubana. A mostra em seis galerias mergulha na observação sociopolítica, enfatizando a religiosidade afro-cubana, o luto coletivo nos EUA e aspectos menos conhecidos da diáspora africana, como a servidão asiática e as comunidades de migrantes negros.

Instalada no Brooklyn Museum, no Elizabeth A. Sackler Center for Feminist Art, Behold começa no acesso com uma das obras da década de 1990 de Campos-Pons, Spoken Softly with Mama (1998). Na instalação de vídeo, fotografias das mulheres de sua família e vídeos da artista são projetados em sete tábuas de passar roupa. Em um padrão centrífugo diante delas, estão ferros de passar roupa de pasta vítrea aludindo a objetos domésticos usados pelas mulheres que trabalhavam como empregadas domésticas. Ao criar um espaço semelhante a um altar para homenagear o trabalho de cuidado invisibilizado das mulheres de sua família, Campos-Pons presta homenagem ao trabalho que as mulheres negras realizam nos espaços domésticos de outras pessoas – uma prática que a acadêmica Saidiya Hartman nomeia como sendo uma das heranças da escravidão. Desde o início, a exposição nos ensina a olhar atentamente e a escutar a arte. Detalhes íntimos retratam a dignidade tranquila da vida negra cotidiana: os sons do trabalho manual, a voz da artista entoando uma canção de ninar, os nomes das mulheres costurados à mão nas tábuas de passar roupa com linha branca, quase imperceptíveis.

A exposição se desdobra em seis galerias sucessivas. Essa organização do espaço gera observações sociopolíticas sobre questões de raça e migração, ao mesmo tempo em que desenvolve os temas inter-relacionados de gênero, memória e religião ao longo da obra de Campos-Pons, destacando conexões que podem nos escapar em uma visão geral cronológica de seu trabalho. A primeira galeria, “The Calling”, enfatiza a centralidade da religiosidade afro-cubana na formação da artista e para as comunidades afro-cubanas como transmissoras da memória cultural. Tons saturados de azul e vermelho evocam os orixás da Santeria Yemayá e Eleguá, respectivamente, e a importância da água e das encruzilhadas na formação do sujeito afro-diaspórico. “Voyeurs and Beholders” utiliza o mote do “olho” enquanto testemunha para evocar o luto coletivo e marcar a precariedade da vida negra nos Estados Unidos, onde Campos-Pons, agora radicada em Nashville, Tennessee, reside desde os anos 1990. Os olhos abertos nos fitam na pintura tríptica butterfly eyes (For Breonna) (2021), em que uma cena exuberante de flores desabrochando recorda a vida de Breonna Taylor e a energia vital do Global Movement for Black Lives.

“Picturing Labor” inicia uma conversa com uma interseção menos conhecida dentro da diáspora africana: a servidão asiática, uma forma substituta de trabalho forçado usada nas plantações do Caribe após a abolição da escravidão. Campos-Pons, cujos ancestrais chineses foram para Cuba no século XIX para trabalhar como mão de obra contratada, explora sua própria linhagem asiática em obras como The Flag Year 13. Color Code Venice (2013), uma reprodução fotográfica de uma performance não anunciada na Bienal de Veneza de 2013. Na composição Polaroid com vários painéis, a artista está resplandecente em um traje de imperador chinês e uma coroa de gaiola de pássaro dourada, com o rosto coberto de cascarilla, uma pasta derivada de casca de ovo usada em rituais de Santeria. “Extreme Weather” aprofunda-se nas contendas contemporâneas com os legados da escravidão, baseando-se na teorização da estudiosa Christina Sharpe sobre a antinegritude como um clima generalizado para estabelecer novas conexões entre o trabalho de Campos-Pons e os atuais debates sobre raça e meio ambiente.

“Picturing Labor” e “Roots & Routes contêm um conjunto de trabalhos de 2006, Sono Qui, apresentado aqui nos Estados Unidos pela primeira vez. A artista produziu essas obras durante período em que viveu em Pádua, na Itália, onde interagiu com comunidades locais de migrantes africanos. Em Invocazione alla Questura – Rita of Nigeria (2006), Campos-Pons cria um retrato de Rita, uma mulher nigeriana que conheceu em uma delegacia de polícia. De acordo com a artista, as duas mulheres estavam lá para trabalhar na legalização de seu status de mulheres negras na Itália. O título da obra relembra esse encontro pessoal que ocorreu em um espaço de detenção durante as viagens da artista, em forte justaposição à utilização de restos de materiais encontrados, como tecido, embalagens de sanduíche e folhas de ouro, que aludem a viagens como um modo de lazer e consumo. Campos-Pons cobre o rosto de Rita com uma camada de contas de ouro e rubi, dando-lhe a proteção do anonimato através de um delicado gesto de beleza. Em outra obra, Il pane è vita. Zucchero and company are good (2006), Campos-Pons faz colagens de papel de embrulho de pão com capas de CDs piratas e retratos de vendedores ambulantes nigerianos, em referência aos muitos migrantes que, privados de outras oportunidades de trabalho, se voltam para a economia da falsificação. Os rostos dos vendedores são cobertos ou sobrepostos com folhas de prata; às vezes, vemos apenas suas figuras evocadas como silhuetas negras e sombrias. A representação que a artista faz desses migrantes oscila entre a invisibilidade e a visibilidade, mostrando como aqueles que ocupam as margens da sociedade nem sempre são vistos em sua humanidade plena. Campos-Pons nomeia mulheres como Rita para desafiar sua desumanização e denunciar como a experiência da migração negra no Mediterrâneo é marcada pela criminalização e pelo encarceramento, questões que afetam as diásporas negras em todo o mundo. Através da arte, porém, Campos-Pons lança luz sobre as estratégias de sobrevivência cotidianas das comunidades de migrantes negros.

A última galeria, “Process & Performance”, fica um pouco escondida e oferece aos espectadores um vislumbre dos trabalhos de performance da artista, específicos dos locais onde acontecem, que evoluíram ao longo das décadas para abranger performances públicas colaborativas e participativas em grande escala, muitas das quais envolvidas na crítica institucional das exclusões do mundo da arte. Desafiador é exibir essas intervenções efêmeras e imateriais geralmente não anunciadas e realizadas espontaneamente em contextos improvisados. Os vídeos de Habla la madre (2014) e When We Gather (2021), bem como uma reprodução visual em vinil de parede de uma performance processional da artista na Bienal de Havana de 2012, iluminam brevemente o potencial político do trabalho de Campos-Pons na interseção entre arte e prática social. Essas obras nos incutem a promessa de nos juntarmos a ela e participarmos de uma performance futura.

María Magdalena Campos-Pons: Behold, foi realizada de 15 de setembro de 2023 a 14 de janeiro de 2024 no Brooklyn Museum of Art, em Nova York, EUA. Ela rodará os EUA e estará em exibição no Nasher Museum of Art, da Duke University, de 15 de fevereiro a 9 de junho de 2024, no Frist Art Museum, de 27 de setembro de 2024 a 5 de janeiro de 2025, e viajará para o J. Paul Getty Museum, onde permanecerá de 11 de fevereiro a 4 de maio de 2025.

Lee Xie é candidata a doutorado no Departamento de Espanhol e Português da Universidade de Nova York. Ela pesquisa e escreve sobre práticas estéticas feministas em arte e cultura contemporâneas. Está atualmente concluindo uma dissertação sobre memórias reparadoras de diásporas chinesas na América Latina e no Caribe.

Tradução: Marie Leão

Tópicos