Conversa com Lía Colombino

O Museu do Barro: essência da arte multicultural no Paraguai

O Museu do Barro em Assunção é dedicado a todo tipo de arte visual cuja expressão revela a diversidade cultural e étnica do Paraguai. Conversamos com Lía Colombino, diretora do Museu de Arte Indígena da instituição, sobre os objetivos e desafios do museu.

C&AL: O que podemos encontrar nas coleções do Museu do Barro?

LC: São três coleções: de arte indígena, de arte popular – que é a arte camponesa, rural – e uma coleção de arte mais erudita. Esta última seria aquilo que tradicionalmente chamamos de arte, como os quadros, as instalações ou as gravuras. Trata-se de uma arte mais urbana de origem ibero-americana, não somente paraguaia. No Museu do Barro o público pode encontrar salas com exposições permanentes e temporárias. Por volta de 90% das doações para a coleção de arte indígena foram realizadas por Ticio Escobar – advogado, escritor, curador e crítico de arte paraguaio -, embora também existam outros doadores. Todavia, a maioria foi comprada de comunidades indígenas durante muitos anos. Aconteceu o mesmo com as imagens religiosas. No Paraguai houve uma produção muito grande dessas imagens, sobretudo de santeria doméstica e de certa santeria eclesial, a qual se encontrava sob propriedade privada. A parte de cerâmica popular foi comprada, da mesma maneira que o ñanduti [renda paraguaia feita à mão com fios de seda e algodão, cujo nome, em Guarani, significa “teia de aranha”] e as máscaras kamba ra-anga [o kamba ra’anga é uma criação da era colonial. A personagem é representada por atores pretos, mestiços ou brancos vestidos de preto. Eles vestem-se com trapos e roupas velhas, adereços masculinos e/ou femininos e têm o rosto coberto por uma máscara de madeira]. Por outro lado a coleção de arte mais erudita e urbana, quase toda, foi doada ou permutada.

C&AL: Levando em conta a diversidade de obras, como é possível combinar arte indígena, popular e erudita num mesmo lugar?

LC: Nós defendemos a contemporaneidade dessas peças. O que se costuma fazer é uma leitura de obras por meio de categorias distintas, já que não se pode esperar que sob condições de vida diferentes a produção seja igual, por exemplo, no caso dos indígenas e de um artista urbano. O que fazemos é cruzar todas essas produções para que dialoguem entre si. O Museu é dividido em salas, e em algumas exposições as obras se misturam. Nelas é possível perceber as diferenças existentes. E que o mundo é justamente isto: diverso.

C&AL: Existe participação direta de comunidades indígenas, ou as obras são examinadas e expostas a partir de uma visão puramente museológica?

LC: Em 1988 Ticio Escobar escreveu um livro chamado Misión: etnocidio, no qual ele denuncia o etnocídio indígena ocorrido durante a ditadura militar de Alfredo Stroessner, de 1954 a 1989. Além disso, junto com outros antropólogos e comunidades indígenas, formou-se a Comissão de Solidariedade para com os Povos Indígenas, através da qual tornou-se possível a compra de terras e a defesa dos direitos dessas comunidades. Ou seja, antes de mais nada existe uma preocupação que ultrapassa o simples objeto. Em 1989, meses depois do fim da ditadura, Escobar, o antropólogo Miguel Chase Sardi e Olek Vysokolán organizaram a exposição O sonho ameaçado: arte indígena no Paraguai, que contou com a participação de comunidades indígenas e apresentou um panorama da produção estética de diversas etnias, para além de seus destinos ritualísticos e suas funções utilitárias. Essa exposição deu origem à coleção de arte indígena do Museu.

A sessão de trajes cerimoniais foi montada nas vitrines pelos mesmos indígenas. Existe uma relação com as comunidades indígenas, às vezes maior, às vezes menor, contudo sempre estamos dispostos a apoiar qualquer uma de suas lutas. O que buscamos com essa coleção é dar-lhes mais visibilidade e ajudar a transformar essa visão sobre o indígena, aquela que geralmente implica um olhar de vitimização. E acreditamos que o fato de ssas peças estarem categorizadas como arte e fazerem parte do museu pode beneficiá-los. Porque justamente é esta a ideia do Museu: colocar manifestações artísticas em pé de igualdade independentemente de quem as tenha feito, dar-lhes a mesma importância.

C&AL: Quais são os critérios de seleção das peças?

LC: O valor histórico, o que a obra representa e também um valor estético, embora este último se modifique com o tempo. Atualmente quase não compramos coisas porque não existe orçamento para isso e tampouco espaço, mas se aparece uma grande doação, conversamos a fim de tomar uma decisão. Atualmente o museu possui por volta de 10 mil objetos, incluindo uma grande coleção de obras em papel. Somente de arte indígena, neste momento, temos mais ou menos 2.500 peças, de imagens religiosas deve haver aproximadamente 800 e umas 300 máscaras de kamba ra’anga.

C&AL: Quais são os desafios e os projetos para o futuro, levando em conta as atuais inovações tecnológicas?

LC: Isso por enquanto não é uma preocupação. O que gostaríamos de conseguir é que o Museu tenha um maior de número de visitantes, este sim é um desafio permanente, já que no Paraguai as pessoas quase não vão a museus. Para isso é necessário desenvolver uma estratégia de difusão e marketing. Seria bom, por exemplo, que o currículo da escola tivesse a visita obrigatória a um museu ou que alguma instituição pública estivesse encarregada de atrair visitantes.

C&AL: Em sua opinião, quais são as maiores atrações do Museu?

LC: A Sala de Máscaras de kamba ra’anga é geralmente a mais fotografada no Instagram. Há também uma obra de Ricardo Migliorisi entre as mais fotografadas, chamada La carretilla sixtina. O público entra na obra e pode se fotografar dentro da mesma.

Museu do Barro
Grabadores del Cabichuí 2716
e/ Cañada y Emeterio Miranda
Assunção, Paraguai

Entrevista realizada por Fátima Schulz Vallejos, jornalista e editora residente em Assunção, Paraguai.

Traduzido do espanhol por Luiz Rangel.

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