Conversa com Juan Orrantia

Em busca de imagens decolonizadas da África do Sul

Juan Orrantia é um fotógrafo colombiano radicado em Joanesburgo. Acaba de publicar seu livro Like Stains of Red Dirt. Salym Fayad também vem da Colômbia e trabalha como fotógrafo na África do Sul. Ambos conversam na C&AL sobre representação, processos de independência e subversões da imagem.

SF: A tradição fotográfica na África do Sul está muito ligada à documentação sobre o apartheid e seus legados. A fotografia foi, por muitos anos, uma ferramenta de denúncia e exposição da vida cotidiana no contexto de uma opressão brutal. O enorme arquivo que foi criado (Alf Kumalo, Santu Mofokeng, Gisèle Wulfsohn, Ernest Cole, David Goldblatt, para citar alguns fotógrafos) também deixou um legado onde está presente o questionamento das dinâmicas do poder nas formas de representação. A experiência de ter vivido e trabalhado na África do Sul por mais de uma década influencia a forma como olhamos, o trabalho fotográfico.

Quando se fala da África, por exemplo, fora do continente há um imaginário que permanece ligado às fotos da National Geographic dos anos 1980, assim como as de outros veículos, e esse imaginário é cercado de um discurso do exótico. (Em “Como escrever sobre a África”, Binyavanga Wainaina faz uma sátira sobre os estereótipos com os quais o continente é representado). Embora saibamos que a fotografia “mente”, e que é apenas uma visão filtrada pelo olhar subjetivo de um fotógrafo, essa ideia persiste.

Nesse sentido, sinto que a maneira mais honesta de falar sobre a África do Sul é passar pelas minhas próprias lentes aquelas perguntas que fiz sobre outros lugares. Habitar este lugar, mas ao mesmo tempo ser de fora, é como estar de alguma forma deslocado.

Quando altero ou exagero cores, faço com que esse quadrado sagrado, que é percebido como uma janela para a realidade, se coloque em evidência. Trata-se de romper com essa concepção, subvertendo o significado da própria fotografia. Se antes eu me preocupava com a questão sobre como represento algo através da fotografia, agora estou interessado em explorar mais como posso desarmar ou problematizar representações.

SF: Ao trabalhar no continente nos deparamos com múltiplas conexões entre países africanos e a Colômbia, em diferentes níveis. O vínculo da afrodescendência na Colômbia é um exemplo óbvio. Porém, essas relações entre as duas regiões também se expressam, por exemplo, nas desigualdades sociais contemporâneas, nos traumas históricos, no comércio de discos de vinil que viajaram em ambas as direções, entre América Latina e África. Inclui-se também o impacto da Guerra Fria, que na África está ligada a movimentos de independência apoiados por intervenções militares cubanas e a processos de solidariedade, seja em Angola ou na Guiné-Bissau.

JO: Talvez seja por isso que os latino-americanos sentem uma maneira fácil de se mover e se relacionar com a África: vimos de um lugar com histórias difíceis e que também foi colonizado. Mas também é importante questionar isso. Quão verdadeira é essa ideia? De onde vem essa sensação? Exploro isso em nossas colaborações e em outros projetos por meio da intervenção sobre imagens e arquivos coloniais com a fotomontagem; e faço isso com uma postura pessoal, reflexiva e crítica, não apenas da história, mas do papel e da forma que as artes visuais desempenham nela.

A Guerra Fria está ligada a movimentos anticoloniais. O cinema e a fotografia fizeram parte de uma estética em diálogo com o pensamento anticolonial e acompanharam esse momento histórico. Esse diálogo me interessa muito, tanto conceitual quanto formalmente, para esses projetos.

SF: Arquivos históricos visuais são frequentemente criados e configurados a partir da perspectiva do poder. Modificar imagens de arquivo para ressignificar a imagem é uma maneira de olhar “decolonizadamente”, de desarticular os mecanismos de representação.

JO: Trata-se de colocar em evidência que essa imagem não é a única versão que existe sobre um lugar e que responde a estruturas do olhar.

Artistas como Jo Ractliffe e Santu Mofokeng, por exemplo, o fazem a partir de suas próprias experiências e histórias. As fotos de Ractliffe evocam traços, memórias e silêncios do conflito em Angola. Santu falou dos campos de concentração, da história do apartheid, das periferias, mas a partir de um olhar poético que atravessa suas experiências pessoais nesses períodos e espaços.

Subverter uma imagem é outro mecanismo. Tento retomar ideias que ligam montagem e cinema de ensaio (Las estatuas también mueren e Sans Soleil, de Chris Marker, são referências) à história africana e ao pensamento anticolonial. É por isso que intervenho sobre imagens, às vezes com texto, ou faço colagem digital, para abalar significados dessas histórias, de seus lugares e imagens.

O livro de fotos de Juan Orrantia Like Stains of Red Dirt foi publicado em 2020 pela editora Dalpine. Mais informações aqui.

Salym Fayad é, como Juan Orrantia, um fotógrafo colombiano radicado em Joanesburgo. Fayad trabalha além disso como repórter e, em anos passados, organizou eventos que buscavam reforçar os vínculos culturais entre países da África e da América Altina, entre os quais o festival de cinema africano MUICA.

Tradução: Cláudio Andrade

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