Resistência, repressão, maternidade, erotismo, o exame do corpo e da política do corpo… Há diversas vertentes para refletir a respeito de duas grandes exposições que aconteceram em Los Angeles no ano de 2017 – Anna Maria Maiolino, no Museu de Arte Contemporânea, e Radical Women: Latin American Art, 1960-1985 (Mulheres radicais: Arte latino-americana, 1960-1985), no Museu Hammer, – cujos temas extrapolam, sem dúvida, os marcos das exibições em si. Tendo em vista o atual contexto político norte-americano, não se pode subestimar a importância de ambas as mostras, que foram incluídas no Pacific Standard Time: LA/LA (uma iniciativa da Fundação Getty em parceria com instituições de arte da região Sul da Califórnia).
A linguagem do atual governo, de violência e legitimização de abusos contra o corpo (especialmente contra o corpo negro, moreno e das classes trabalhadoras), o questionamento a respeito dos direitos reprodutivos das mulheres, as restrições de fronteira e a redefinição de limites, para não mencionar a perspectiva iraascível gritada do púlpito presidencial sobre o imaginário muro entre Estados Unidos e México, que gerou tanta controvérsia durante as eleições norte-americanas em 2016: é especialmente contundente ter esse pano de fundo em uma cidade comuma população crescente proveniente de países das Américas do Sul e Central e seus descendentes, que foi estimada pelo censo de 2010 em 49%.
É importante considerar as artistas, bastante diversas, que foram apresentadas nas duas mostras, em um contexto mais amplo da história da arte. Ao mesmo tempo, é inegável o impacto das mesmas na política da América Latina e particularmente nas identidades feminina e queer. Nos anos 1960 e durante várias décadas subsequentes, tendo em vista a violência de Estado, as trocas turbulentas de regimes e a resistência poderosa em vários países latino-americanos, o feminismo, a prática da arte e a militância lutaram lado a lado. A artista e escritora mexicana Mónica Mayer lembra: “Na minha experiência, não era possível, naqueles anos, ser artista sem ser de esquerda”. A geração de artistas cujas obras integraram a mostra Mulheres radicais investigava e desafiava as relações de poder, classe, gênero e identidade em suas próprias vidas e em seus países de origem, como assinalou Andrea Giunta, cocuradora da exposição, no painel “O corpo político”, no Museu Hammer: “Em muitos aspectos, é uma abordagem queer, que desestrutura a ideia de maternidade”.