Negros Indícios

Entre rastros e ruídos: território e negritude na praça

“Negros Indícios: performance vídeo fotografia”, com curadoria do historiador da arte Roberto Conduru, apresentou um total de 12 artistas – recorte significativo, ainda que não propriamente representativo da diversidade da cena de performance negra no Brasil.

Cuidadosa quanto a apresentar um certo desenho territorial brasileiro no qual essa “presença negra” tem acontecido, a exposição é composta por trabalhos dos baianos Ayrson Heráclito, Caetano Dias, Rommulo Vieira Conceição, Tiago Sant’Ana; dos brasilienses Antonio Obá e Dalton Paula; das mineiras Priscila Rezende e Rubiane Maia; dos paulistanos Musa Michelle Mattiuzzi, Moisés Patrício, Renata Felinto e, finalmente, do pernambucano João Manuel Feliciano. Essa divisão regional tem outros sentidos, caso olhemos para temas como o cabelo em obras de Feliciano, Felinto, Sant’Ana e Rezende, ou para o ato de posar e dançar em espaços naturais ou socialmente construídos nas obras de Conceição, Dias, Felinto, Maia. Outro tema seria a relação entre ação ritual e a memória que aparece em Heráclito, Obá, Patrício, Sant’Ana e Felinto.

A procedência diversa dos artistas reunidos diz muito sobre o local no qual a exposição foi realizada – a Caixa Cultural São Paulo – na Praça da Sé, quanto sobre a própria cidade composta por migrantes de diferentes pontos do país que passam por esse marco zero da memória urbana.

É interessante notar como dois trabalhos de Renata Felinto, que discutem alteridade, acontecem parcial ou integralmente nesta praça: Brunch para Exu, 2013, e Danço na terra em que piso, 2013. Essa relação entre corpo, espaço e produção de sentido emerge em um dos trabalhos de Rommulo Vieira Conceição: O espaço se torna lugar na medida em que eu me familiarizo com ele (2015/2017).

Embora Negros indícios tenha reunido um conjunto de obras e artistas relevantes para o (re) dimensionamento da cena de performance negra e suas relações com fotografia e vídeo, a exposição apresentou alguns problemas, sendo o principal deles a cenografia que reforçou de algum modo a relação entre produção artística negra e precariedade social. Como elemento concreto entre tantos conteúdos digitais, a cenografia interferiu na fruição das obras. Outro aspecto a ser questionado é a edição de um conjunto grande de obras digitais, exibidas nas três salas, que confundem registros de performances com fotoperformance e videoperformance, criando uma zona indistinta entre essas linguagens. Mas apesar desses ruídos, Negros Indícios trouxe uma contribuição importante para o fomento da cena negra nos campos cruzados da performance, do vídeo e da fotografia que, postos juntos, sugerem o quão potente ela foi enquanto experimento curatorial.

 

Alexandre Araujo Bispo é antropólogo, crítico, curador independente e educador.

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