Inventário das artes 2020

Sensibilidade frente a novas identidades

Por mais paradoxal que pareça, esse ano de cortes e desmontes na política cultural brasileira trouxe, apesar de tudo, maior espaço para artistas não brancas e não brancos – seja em novas galerias, retrospectivas de grandes museus ou debates no ambiente acadêmico.

Espaços fora do eixo Rio-São Paulo

Outra instituição pública, o Centro Cultural São Paulo, celebra a 30ª edição do “Programa de Exposições” que vem fomentando a produção artística de artistas negras e negros nos últimos anos. Em 2020, uma das mostras selecionou nomes que ultrapassam o eixo Rio-São Paulo, apontando para a diversidade étnico-racial e de gênero e indicando mudanças radicais na sensibilidade em torno das novas identidades presentes na cena da arte contemporânea no país.

Não se pode esquecer, contudo, que profissionais negros de museus e instituições culturais foram duramente atingidos pelo fechamento de espaços e pela crise do setor. Em São Paulo especificamente, funcionárias e funcionários do Museu Afrobrasil e do Instituto Tomie Ohtake estiveram entre os mais prejudicados. O fechamento da Rede Sesc São Paulo, que nos últimos anos vinha desenvolvendo um trabalho assertivo sobre racismo, atingiu especialmente profissionais de mediação cultural e montagem de exposições.

Espaço das redes sociais

Após o início da pandemia, programações educativas e culturais foram surgindo na internet – ora espontâneas, ora motivadas por chamadas privadas e públicas. São debates, cursos, oficinas e palestras oferecidos por indivíduos, coletivos, universidades públicas, museus e instituições culturais, gratuitos ou pagos. Ao mesmo tempo, redes sociais como o Instagram, que já funcionava como uma vitrine para exibição de trabalhos de artes visuais, passou também a sediar encontros transmitidos de todas as partes do país.

Entre os mais interessantes, embora não exclusivamente racializados, foram os ciclos de conversas Performance na Rede, que reuniram performers e estudiosos de todas as regiões do Brasil. Os encontros fazem parte das ações da Embaixada da Performance (EPA), projeto criado por Maíra Vaz Valente e Raphael Couto ao lado de outra ação da mesma organização, o Perforcâmbio. Atualmente a EPA participa de uma ação que envolve performers de toda a América Latina, feito inédito, segundo Maíra Vaz Valente.

Espaços acadêmicos

Entre os vários eventos acadêmicos, merece destaque o “Ciclo internacional de webinários – Artes africanas: histórias perspectivas e fluxos”, que se estende até dezembro de 2020, organizado pelo grupo de pesquisa e extensão Áfricas nas Artes (“História(s) e narrativa(s) das artes do sul em perspectivas transculturais – circularidades, fluxos e ressignificações”) da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia e transmitido pelo canal do grupo. A Rede de Pesquisa e Formação em Curadoria de Exposição, que reúne instituições e núcleos de pesquisa em torno do debate racial, realiza até fevereiro de 2021 o webinário mensal “Curadorias: histórias e práticas entre diversidades”. O evento abriu com Alex Tso, fundador da Galeria Diáspora, e no mês de novembro os convidados foram os curadores angolanos Luamba Muinga e Marcos Jinguba.

Criado um mês após o inicio da pandemia no Brasil, o canal Pensarafricanamente já possui 10 mil inscritos e tem apresentado uma programação diversa de temas como políticas públicas, empreendedorismo, gênero, artes e cultura e religiosidades, entre muitos outros. O encontro dedicado ao célebre escritor, artista visual e sacerdote do candomblé Mestre Didi (1917-2013), contou com a participação do artista Ayrson Heráclito, do pensador Muniz Sodré, da cantora, bailarina e professora Inaycira Falcão e do filósofo Marco Aurélio Luz.

Espaço do mercado

Há de se notar também que a SP-Arte, considerada a principal feira latino-americana de arte, há poucos anos sequer sabia que existiam artistas e poéticas racializadas, indígenas ou trans. Neste ano de 2020, a 17ª edição (virtual) da Feira apresentou 136 expositores e organizou debates e palestras sobre violência, vandalismo ecológico e a situação das mulheres e dos negros no Brasil.

Entre as novidades desta edição da Feira estão a Galeria HOA, o coletivo Levante Nacional Trovoa e a 01.01 Platform. O Levante Nacional Trovoa é um coletivo de artistas visuais e curadoras racializadas fundado em 2017, enquanto a 01.01 Art Platform é uma iniciativa que reúne um grupo significativo de artistas. Criada em 2018 com o apoio de instituições de Gana, Portugal e Reino Unido, a 01.01 Art Platform tem como objetivo promover um circuito de intercâmbio cultural que envolva o fomento e o consumo da arte de forma consciente, justa e engajada.

Alexandre Araujo Bispo é antropólogo, crítico, curador independente e educador.

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