Por meio de sua arte pop, o duo Cholita Chic dá visibilidade à chola, que para as artistas se transformou no símbolo da mulher andina emancipada física, intelectual e emocionalmente. Inspirado pelo movimento artístico latino-americano Chicha, Cholita Chic iconiza e enaltece a supermulher representada pelas cholas.
Inti, série A última herdeira da série Atahualpa, 2015. Cortesia: Cholita Chic.
Série “Emancipação das ñustas”, 2018. Cortesia: Cholita Chic
Porque soy parte de esta revolución, soy hija del sol, nieta de los señoríos del altiplano, soy putipa, soy chelele, soy mamani y soy arte popular Yo soy Cholita Chic.
Cholita Chic é um duo artístico anônimo radicado em Arica, cidade no norte do Chile, na fronteira com o Peru. Formado em 2014, o duo surgiu pela necessidade de visibilizar e questionar a realidade machista de muitas sociedades latino-americanas, e criar um registro visual da mulher emancipada do futuro, que, por sua vez, preserva as tradições.
C&AL: Como Cholita Chic foi criado?
Cholita Chic: Cholita Chic nasceu em outubro de 2014, quando participávamos de uma feira com trabalhos de outros estudantes da universidade. Naquela altura, nos interessávamos por questões feministas e também pela continuidade das tradições populares com vista ao futuro. Na época, eu morava perto do mercado onde as cholitas iam vender diversos artigos e me interessava pela ideia da mulher empreendedora e independente. Para nós, a cholita se transformou no símbolo da mulher emancipada física, intelectual e emocionalmente, e Cholita Chic representa nosso empenho em iconizar e enaltecer esta supermulher que as cholitas representam. A nível estético, nós nos interessávamos pela Arte pop e sua relação com o popular.
C&AL: Falem mais sobre as influências estéticas da Arte pop em sua obra. O que as levou a se apropriar e reinterpretar esse estilo?
CC: Nos anos 1960, em paralelo ao movimento Pop de Andy Warhol, houve um movimento artístico na América Latina chamado Chicha, que era a arte popular andina. O conceito é praticamente o mesmo, mas não teve a repercussão mundial que a arte pop teve. Aqui, a arte popular se concentrava na música (especialmente na cúmbia), que é o único elemento cultural compartilhado por todos os países latino-americanos, e na tipografia para a criação de cartazes. Decidimos nos apropriar dessa estética e forma de criação, incorporamos a utilização da fotografia e criamos um pós-movimento Chicha, nos concentrando sobretudo em imagens de mulheres no dia a dia. Assim, nasceu algo que era muito óbvio e que, de alguma forma, criamos como um movimento por si mesmo – o que chamamos de fotografia Chicha.
C&AL: Em seu trabalho, há seis eixos: fronteira, migração e territórios globalizados, além de folclore, mulheres e indigenismo. Podem falar sobre como estes seis eixos convergem na sua obra?
CC: Creio que isso tem a ver com o lugar onde moramos, Arica. Aqui há três fronteiras: a chilena, a peruana e a boliviana. Arica tem sido historicamente um território disputado; antes de ser chilena, Arica já peruana e a Bolívia queria ter acesso ao litoral do Chile, que é o de Arica. No fim do século 19, Peru e Bolívia se aliaram durante a Guerra do Pacífico, depois da qual Arica se tornou parte do Chile. Mesmo assim, Arica é uma cidade que não pertence a nenhum país; aqui não existe uma identidade chilena, peruana nem boliviana, mas, pela necessidade imposta pela fronteira, formou-se uma comunidade multicultural. A obra gira em torno da ideia da mulher transfronteiriça, que quer derrubar o patriarcado social, político, econômico, judicial, etc. Cholita Chic são as primeiras mulheres que tiram as polleras (saias típicas), e escolhem não uma vida indígena, mas uma vida universitária e profissional independente. São uma visão da mulher indígena independente do futuro.
Guardiã de saias, 2018. Cortesía Cholita: Chic.
Cholita Chic são as primeiras mulheres que tiram as polleras (saias típicas), e escolhem não uma vida indígena, mas uma vida universitária e profissional independente. São uma visão da mulher indígena independente do futuro.
C&AL: Podem discorrer sobre este imaginário que estão criando vinculado às mulheres indígenas e à experiência andino-americana, e sobre como ele vem sendo recebido pelo público?
CC: Ao Cholita Chic assumimos uma responsabilidade política, pois era algo para o qual ainda não existia uma visão. Uma fotógrafa está sempre em busca de uma história para contar e uma desenhista, da solução visual para um problema. Inconscientemente começamos a criar soluções visuais para problemas que nem sequer pensávamos existir. Cholita Chic começou como algo pequeno e foi crescendo até o ponto de já fazer parte da história da arte da América Latina. Não esperávamos o impacto que Cholita Chic está tendo. Inclusive já foi inventado o hashtag #cholitachic, utilizado pelas mulheres jovens que frequentam eventos e se identificam com o que Cholita Chic representa, uma mulher andina independente, empreendedora, etc. Por fim, a prática acaba criando uma memória coletiva.
C&AL: Podem explicar como fazem para elaborar uma mensagem andino-americana diante da contingência Chile-Bolívia?
CC: Arica tem uma identidade própria. As mulheres daqui têm uma identidade própria, por isso falamos de uma identidade andino-americana, dessa forma, apagamos as linhas imaginárias das fronteiras e tomamos por base a experiência do território, que é real. Trabalhamos com a linguagem visual e nos esforçamos para que ela seja tão sensível e inclusiva quanto possível. Também nos baseamos nas pesquisas de antropólogos, curadores e outros intelectuais a fim de fortalecer nossa mensagem visual.
À esquerda: Cholita chic / A última herdeira, série Atahualpa, 2014. Cortesia: Cholita Chic. À direita: China Morena, 2019. Cortesia: Cholita Chic
C&AL: Porque é tão importante para vocês continuar no anonimato e quem são modelos de suas obras?
CC: Para nós, o mais importante é transmitir a mensagem. Acreditamos que, quando o rosto do autor é conhecido, ele se incorpora automaticamente à obra – e não queremos que a mensagem seja atribuída a nós. Queremos criar uma heroína visual com a qual o resto das mulheres possa se identificar. Em intervenções urbanas, temos utilizado gorros balaclavas para acompanhar a obra sem revelar quem está por trás de Cholita Chic. O caráter performático deste processo de proteger a obra concede, por um lado, dinamismo à mesma e, por outro, resulta em uma solução poética, pois acabamos nos tornando parte da obra. Recrutamos as mulheres que posam para fotografias nas escolas profissionais dos vales, onde as estudantes são de procedência Aimará e Quíchua, e também através de conhecidas e amigas de amigas. Para muitas delas, participar de uma sessão fotográfica significa o reconhecimento e a validação da beleza indígena. O fato de visibilizá-las e nos anonimizar possibilita que Cholita Chic represente qualquer mulher. Elas são a próxima geração de cholas.
C&AL: O que o futuro reserva para Cholita Chic?
CC: Vamos compilar tudo o que fizemos com Cholita Chic desde o início, em 2014, e registrar e preservar tudo sob a forma de um livro. Ele incluirá opiniões e interpretações de outros artistas, pois seu trabalho alimenta o imaginário coletivo que estamos tentando criar. Este catálogo será publicado em fevereiro de 2023.
Além disso, há muito mais coisas a serem visibilizadas. Os próximos temas com os quais queremos trabalhar com Cholita Chic são vinculados às últimas travestis do folclore: vamos falar sobre o que é ser feminino/a, e refletir sobre como o feminino é considerado um fator de risco para o sistema machista.
Cholita Chic é um coletivo quecombina fotografia, performance e ativismo artístico com o objetivo de denunciar a exotização da mulher indígena e construir coletivamente um imaginário inclusivo, com o qual as futuras gerações possam se identificar.
Raquel Villar-Pérez é pesquisadora acadêmica, curadora de arte e escritora, interessada em discursos pós-coloniais e decoloniais na arte contemporânea e na literatura do Sul Global sociopolítico. Sua pesquisa concentra-se no trabalho de mulheres artistas que abordam noções de feminismo transnacional, justiça social e ambiental, e em fórmulas experimentais de apresentar essas noções na arte contemporânea.
Tradução: Renata da Ribeira