Em abril deste ano, a Associação Britânica de Fotógrafos Negros deu início a mais uma edição de seu programa itinerante internacional Black Chronicles (Crônicas Negras). A quarta exposição concentrou-se em imagens que se distanciam das noções fixas sobre arquivos. Nosso autor Themba Tsotsi analisa uma exposição de fotos que estiveram escondidas numa gaveta e uma extraordinária coleção que pertenceu a ninguém menos que W.E.B. Du Bois.
Membros do African Choir (Coro Africano), Londres, 1891. Por London Stereoscopic Company (da esquerda para a direita: Frances Gqoba; Katie Manye [posteriormente conhecida como Katie Makanya]; Paul Xiniwe) © Arquivo Hulton/Getty Images. Cortesia do Arquivo Hulton, e Autograph ABP, Londres. Apoiado pela Loteria Nacional através do fundo da Heritage Lottery.
A Universidade de Joanesburgo (UJ) abrigou a exposição itinerante Black Chronicles IV (Crônicas Negras IV), organizada e difundida pelo arquivo Autograph ABP, de Londres. A exposição foi inaugurada na UJ em abril, como parte de uma série de exposições que viajou por todo o globo desde o lançamento de Black Chronicles II (Crônicas Negras II) em 2014. Ela exibiu uma seleção de 200 imagens reproduzidas a partir do icônico Negro Americano de W. E. B. Du Bois exibido na Exposição Universal de 1900 em Paris. E também incluiu retratos fotográficos de estúdio reimpressos a partir de negativos em chapas de vidro do século 19 sob a forma de impressões de gelatina fotográfica de prata de grande escala. Essas impressões incluem imagens de sul-africanos ilustres, como Charlotte Maxeke, sua irmã Katie Makanya, e Eleanor e Paul Xiniwe. Todos eram membros do famoso African Choir (Coro Africano) e foram fotografados em 1891, durante uma turnê mundial com o objetivo de levantar fundos para a construção de uma escola. A exposição colocou em pauta a controvérsia que confrontou os membros do coro com o pedido para que usassem trajes de gala tradicionais em vez de suas roupas modernas, num show de suposta autenticidade.
Peter Jackson. Londres, 1889. Pela London Stereoscopic Company. © Arquivo Hulton/Getty Images. Cortesia do Arquivo Hulton, e Autograph ABP, Londres.
Na Galeria FADA, no Centro de Pesquisa de Identidades Visuais em Arte e Design da universidade (VIAD), a curadora de Black Chronicles, Renée Mussai, reuniu fotografias em que as noções de assistência e humanismo buscavam repudiar as narrativas de apagamento e subjetividade colonial. Como ela se interessa por estratégias contemporâneas de práticas artísticas e curatoriais, a exposição correspondeu à abordagem de pesquisa do VIAD de discutir noções de representação sem o jugo de estratégias tradicionais se impondo a possíveis novas formas de representação. Como gesto comemorativo, por exemplo, os músicos Thuthuka Sibisi e Phillip Miller foram comissionados para recriar algumas das canções cantadas pelo African Choir. Parte dessa recriação foi dedicada a incitar noções de humanização e desmistificação do estabelecimento arquivo. Portanto, o “African Choir Re-Imagined” (“Coro Africano Reimaginado”), de Phillip Miller e Thuthuka Sibisi, foi incorporado à exposição por meio de uma instalação sonora.
Vista da instalação Black Chronicles IV na Universidade de Joanesburgo, 2018. Foto: VIAD
A exposição foi montada num espaço íntimo e discreto abaixo da área de exposição principal na Galeria FADA da UJ. Ali o coro entoava suas canções com uma vitalidade e candura que procuravam capturar o espírito de encontros transcendentais que os retratos individuais só fornecem através da lente do arquivo. Foi a primeira vez que a série Black Chronicles incorporou uma instalação sonora, que apresentou ambos, o coro de 1890 e contemporâneo. Como ambos os coros eram invisíveis para a audiência, a operação simbólica do reimaginar foi abordar de aspectos do apagamento na sociedade contemporânea. Desta forma, a instalação tentou descrever o arquivo como algo que não se restringe a ser um estabelecimento para imagens, mas é também um lugar de identidade numa dimensão global e contemporânea.
As fotos exibidas foram descobertas no Arquivo Hulton, após terem sido mantidas numa gaveta durante 125 anos. Elas serviram como documentação do coro, que fez uma turnê pelo Reino Unido e pelos Estados Unidos numa tentativa de levantar fundos para a construção de um colégio técnico no Cabo Oriental. Os sete homens, sete mulheres e duas crianças que embarcaram nessa turnê entre 1891 e 1893 chegaram a se apresentar para a rainha Vitória.
A curadora Mussai estava bem consciente dos aspectos do arquivo que lidam com materiais como produção de conhecimento. Ela reconheceu, portanto, a lógica em discutir a humanidade do coro. Apesar de os indivíduos terem sido fotografados vestindo trajes de gala tribais, a descoberta das imagens revelou como, no contexto colonial, o encontro entre o coro e a respectiva sociedade que o recebia transformou-se num evento histórico muito concreto.
Jaswantsinghji Fatehsinghji. Londres, 1887. Pela London Stereoscopic Company. Cortesia do © Hulton Archive/Getty Images, e Autograph ABP.
O Paris Album 1900 (Álbum parisiense 1900), de W.E.B. Du Bois, viajou para a África do Sul pela primeira vez. Apresentando imagens de uma classe média negra nos Estados Unidos pós-escravidão, a coleção articulou algumas estratégias de documentação antropológica, os sujeitos, porém, foram dignificados, vestidos em trajes modernos, expressando como se veem como pessoas emancipadas, enquanto corrigem o discurso da representação colonial.
A importância dessa exposição foi o fato de lidar com o arquivo na qualidade de ferramenta colonial no contexto do pós-colonialismo. O resultado foi um discurso que procurou descobrir de onde emanam os aspectos da representação, quem tenta se beneficiar com essas imagens ressuscitadas, e como elas fornecem informações sobre o cuidado curatorial. No coração de tudo está um estabelecimento que registra o encontro entre duas comunidades e pretende reexaminar o posicionamento da curadoria, a fim de questionar os métodos de representação tradicionais e históricos.
Themba Tsotsi é escritor freelancer, mora na Cidade do Cabo e escreve principalmente sobre artes visuais. Ele se graduou na Universidade do Cabo Ocidental em 2006, com o título de bacharel honorário em Inglês e Estudos Culturais em 2006. Foi membro fundador do Gugulective e publicou recentemente seu primeiro livro, intitulado “Art Movements and The Discourse of Acknowledgements and Distinctions” (Movimentos de arte e o discurso de reconhecimentos e distinções, Vernon Press).
Traduzido do inglês por Renata Ribeiro da Silva.