A plataforma “Devuelve, pe!” quer incorporar uma perspectiva latino-americana às diversas críticas que recebeu o novo museu etnológico de Berlim no Fórum Humboldt.
Mama Pedro Juan em frente a uma máscara dos Kágaba no depósito do Museu Etnológico de Berlim em maio de 2013. Cortesia do Museu Etnológico de Berlim.
Natalia Rodríguez, Museu Nulluis, performance em frente ao Fórum Humboldt, julho de 2019. Cortesia da artista.
Máscara dos Kábaga, Sierra Nevada, Colômbia. Adquirida sob condições duvidosas pelo etnólogo Konrad Theodor Preuss em 1915 para o Museu Etnológico de Berlim. Em: Deutsche Digitale Bibliothek, coleção do Museu Etnológico de Berlim: https://ausstellungen.deutsche-digitale-bibliothek.de/preuss/exhibits/show/kolumbien-preuss/fokus-masken-mythen-kagaba.
Em 7 de dezembro de 2015, o canal de televisão alemão ZDF transmitiu pela primeira vez um documentário intitulado Die Indianer kommen (“Os índios vêm”). O documentário discorre sobre a polêmica surgida quando uma comitiva do povo Kogui de Sierra Nevada, no norte da Colômbia, viajou para Berlim com a intenção de recuperar duas máscaras sagradas pertencentes à comunidade deles e que há 100 anos tinham sido retidas no Museu Etnológico de Dahlem, em Berlim.
A solicitação de restituição se deu por ocasião da mudança da coleção etnográfica para um novo espaço, o Fórum Humboldt, que abrirá em breve no centro da cidade. Este é um dos projetos culturais recentes mais ambiciosos e mais caros na Alemanha, com um orçamento de 644 milhões de euros. Sua sede foi construída a partir de uma reprodução do antigo Palácio da Cidade, pertencente à dinastia dos Hohenzollern. Até 1918 os Hohenzollern foram uma das famílias governantes mais importantes da Alemanha, ligada à repartição da África pelos europeus e, por conseguinte, símbolo do colonialismo alemão. O Fórum Humboldt abrigará as coleções do Museu de Arte Asiática e do Museu Etnológico de Dahlem. A coleção de Dahlem, como a de tantos outros museus ocidentais, se configura a partir de coleções privadas do século 19 criadas a partir do espólio e saque de territórios sob influência colonial.
Desde a visita dos indígenas Kogui a Dahlem, muitas vozes têm criticado os planos de abertura do Fórum Humboldt e exigido uma decolonização do museu que inclua a restituição de muitas de suas peças. Em 2017 a francesa Bénédicte Savoy, historiadora da arte, abandonou o conselho assessor do museu. Savoy criticava uma falta de revisão crítica por parte do Fórum Humboldt, sob o diretor Neil MacGregor, ex-diretor do também polêmico British Museum em Londres.
Apesar de por volta de um terço dos fundos do museu de Dahlem vir da América Latina, exigências de restituição vindas dessa região do mundo – como as do povo Kogui – não têm sido tão numerosas quanto as provenientes de comunidades africanas, onde a herança colonial alemã, e europeia em geral, produziu marcas mais evidentes.
Em 2018, surgiu no Institut für Kunst im Kontext (Instituto de Arte em Contexto) da Universidade das Artes de Berlim (UdK) um grupo de trabalho que buscou reagrupar e ampliar as vozes latino-americanas mais críticas frente ao Fórum Humboldt. A iniciativa surgiu como resposta a um convite para realizar intervenções artísticas na coleção permanente do museu feito por Manuela Fischer, responsável pela coleção latino-americana do Museu Etnológico de Berlim e uma das curadoras do Fórum Humboldt.
Sob a coordenação da artista e professora Kristina Leko, sete artistas, em sua maioria de origem latino-americana, estão atualmente desenvolvendo diferentes iniciativas e projetos críticos em relação ao museu. Em julho de 2019, como exemplo das ações, a artista Natalia Rodríguez realizou uma performance em frente ao Fórum Humboldt ainda em construção, onde durante uma semana recortou fotografias dos mais de 30 mil objetos pertencentes ao museu. A ação representou um ato simbólico de restituição com um questionamento claro direcionado à instituição e a seu público: as coleções deveriam voltar a seus lugares de origem?
No fim de 2019, nesse mesmo espaço em frente ao museu, diferentes coletivos de imigrantes latino-americanos em Berlim se reuniram em um protesto ritual por ocasião da Noite dos Mortos. A ação foi produto do Humboldthuaca, um projeto coordenado por Daniela Zambrano e Pablo Santacana, no qual se reivindica a cultura viva e sua voz dentro do museu. O protesto ritual deu enfoque em exigir a restituição da múmia pré-hispânica Mallqui de Chuquitanta, um ancestral sagrado do que hoje é o Peru. Sua presença no Fórum Humboldt gera várias perguntas: O que significa exibir restos humanos indígenas em museus europeus? Temos respeito por outras culturas? A herança colonial é compreendida pelos europeus, ou mesmo pelos próprios latino-americanos?
Daniela Zambrano e Pablo Santacana, Humboldthuaca, performance em frente ao Fórum Humboldt, 31 de outubro de 2019. Cortesia dos artistas.
Com o intuito de continuar examinando essas perguntas, o grupo de trabalho DecolonizeM21 criou Devuelve, pe!, uma plataforma através da qual se deseja visibilizar a luta pelo retorno de Mallqui, junto a outras iniciativas e experiências de decolonização do Fórum Humboldt.
No dia 11 de julho de 2020, por meio de diferentes redes sociais e em seu próprio site, diversas e diversos especialistas compartilharão suas experiências de decolonização do museu em um debate com a cocuradora Manuela Fischer. Os participantes deste encontro serão Tahir Della (Nohumboldt21, Berlim), Arlette-Louise Ndakoze (Savvy Contemporary, Berlim), Juana Londoño (Colômbia), Rossana Poblet (Peru), Elizabeth Salguero (Bolívia) e Xokonoschtletl Gómora (México).
Para mais informações: www.decolonizem21.info
Pablo Santacana (Madri, 1991), designer e artista visual, faz parte do grupo de trabalho DecolonizeM21.
Traduzido do espanhol por Raphael Daibert