Conversa com Fabrice Monteiro

“Livrem-nos das Nações Unidas e criem espaço para as Culturas Unidas”

O artista visual e fotógrafo belga-beninense Fabrice Monteiro brinca com um jogo de luzes e sombras que mistura conceitos de modernidades da África e do Ocidente, descobrindo as realidades para além da visão superficial de culturas frequentemente obscurecidas. Em entrevista, Monteiro fala sobre imagens da África, Afrofuturismo, suas experiências na Colômbia e sua profunda aversão por fronteiras.

C&AL: Você é um artista que transita, que torna líquidas as fronteiras entre o fotojornalismo e a fotografia de moda, mais sofisticada. Qual é sua motivação para cruzar essas fronteiras e transformá-las em uma declaração estética e um estilo?

FM: Sinto uma profunda aversão por fronteiras, limites, caixas. Isso deve-se provavelmente ao fato de que sou um produto da mistura de raças, mistura de educações e mistura de experiências. Aprendi fotografia, postura e iluminação através da fotografia de moda, então naturalmente uso esse tipo de imagem de alto apelo gráfico para abordar temas que me preocupam, tais como meio ambiente, identidade, religião e política. Sinto profundamente a necessidade de construir pontes em vez de muros, porque não temos pontes suficientes e temos muros demais. Mesmo no meu trabalho, não uso limites porque, para mim, o estilo e a mídia são somente ferramentas para servir a um propósito. Posso usar preto e branco ou cor, digital ou película, instalação ou fotografia de rua, desde que isso sirva ao assunto que desejo abordar.

C&AL: Seu trabalho me aproxima do conceito de “Afrofuturismo” – talvez uma das correntes mais espirituosas do pensamento criativo entre nós, afrodescendentes, hoje. É possível ligar você a essa tendência estética?

FM: Ouço muito esse comentário sobre meu trabalho. Para mim, é apenas outra caixa em que as pessoas sentem necessidade de te colocar para te “definir”. Afrofuturismo não significa nada para mim enquanto não terminarmos de lidar com nosso tempo presente. Qual é o sentido de projetar-nos em um hipotético futuro, quando ainda não terminamos de lidar com cinco séculos de colonização do nosso planeta? Estamos, na verdade, apenas começando a arranhar a superfície desse antigo e tóxico paradigma. Assim, temos trabalho suficiente a fazer com o passado e o presente antes que possamos nos projetar ao futuro com eficiência.

C&AL: Você desenvolveu uma versão de um dos seus projetos mais reconhecidos, A profecia, na Colômbia, no que chamamos “Terras ancestrais afro-colombianas e indígenas”. Devido a dolorosas circunstâncias históricas, nós, afro-americanos (isso significa o continente inteiro e não apenas cidadãos estadunidenses), enquanto conservamos alguns tipos de tradições arcaicas africanas, também vivemos em uma África imaginária. Afro-americanos, na realidade, sabem pouco sobre a África, tanto no que se refere ao passado quanto à sua modernidade. Através da herança deixada para nós por nossos ancestrais, além de grandes doses das nossas próprias ansiedades, criamos para nós uma África que é produto de uma imaginação épica fantástica. Nesse contexto, como você liga a África à Afro-América?

FM: Não vou falar sobre afro-americanos de países da América Latina, pois sei muito pouco sobre eles para dar uma opinião. Mas afro-americanos da América do Norte, e os estadunidenses em geral, têm uma janela muito estreita para o resto do mundo. Isso deve-se à educação ou, simplesmente, ao fato de que eles receberam tanta lavagem cerebral sobre a ideia de que os Estados Unidos são o maior país do mundo que não faz sentido para eles “se sentar e assistir” a outras culturas com um olhar virgem. Na minha opinião, essa perspectiva é reforçada por filmes como Pantera Negra. Mas não me entenda mal: percorremos um longo caminho e apoio totalmente qualquer tentativa de aproximação entre afro-americanos e africanos, mas acredito que todos nós temos ainda um longo caminho para chegar à decolonização das nossas respectivas mentes.

C&AL: O que você trouxe da África, ou de suas experiências africanas, para aplicar a uma das “Áfricas” da América do Sul, nesse caso a localizada na Colômbia?

FM: Se estamos falando sobre a parte do meu projeto A profecia, que fiz na Colômbia, tenho que dizer: não vim com a intenção de trazer algo da África. Eu estava mais interessado em aprender com a rica e original cultura dos povos indígenas da Colômbia. Quando trabalho na África, naturalmente mergulho na cultura e na cosmogonia africanas, e quando trabalho na América Latina, mergulho na cultura e na cosmogonia latino-americanas. Acredito profundamente que, nesta época em que estamos lenta mas globalmente percebendo que nosso futuro não depende do PIB (Produto Interno Bruto), e sim do que chamamos de nossa CDC (capacidade de compartilhar), temos que cultuar e abraçar todas as “culturas originais” que mantiveram viva a ligação sagrada com nosso planeta e nosso meio ambiente. Nós, quer dizer, o assim chamado “mundo moderno”, devemos nos inspirar em sua forma virtuosa de habitar o mundo. Devemos nos livrar das Nações Unidas e criar espaço para as “Culturas Unidas”.

Ángel Perea Escobar, autor da entrevista, é um jornalista colombiano.

Traduzido do espanhol por Cláudio Andrade.

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