El pasado mío revisita as texturas expressivas de um espírito étnico cubano não suficientemente estabelecido na ilha. Além de explorar as vertentes estéticas da criação de raiz africana em Cuba, a exposição ilumina os contextos reais nos quais as pessoas que criam esta arte se desenvolveram.
Vista da exposição El pasado mío (O meu passado), 2022, da esquerda para a direita, obras de Juan Carlos Alom e María Magadalena Campos Pons. Foto: Cortesia de Melissa Blackall
Vista da exposição El pasado mío (O meu passado), 2022, Ethelbert Cooper Gallery of African & African American Art at The Hutchins Center. Foto: Cortesía Melissa Blackall
El pasado mío/My own past encara a cultura negra de Cuba sob a perspectiva do encontro entre obras antológicas e linguagens estéticas atuais. A exposição de artes visuais inaugurada na Galeria Ethelbert Cooper Gallery (a única instituição artística dedicada à arte da Diáspora Africana na Universidade de Harvard), revisita as texturas expressivas de um espírito étnico cubano estabelecido no discurso oficial da ilha, mas raramente colocado em posição central a fim de reescrever as narrativas de sua arte. Em contrapartida à insuficiente visualização das representações de artistas afrodescendentes no país, Alejandro de la Fuente, responsável pelas iniciativas anteriores e por extenso trabalho intelectual e acadêmico, trabalhou na Universidade de Harvard com um grupo de pesquisadores integrado por Cary A. García Yero e Bárbaro Martínez-Ruiz para elaborar um relato não higienizado e que leva em consideração a questão racial sobre a produção local.
Estabelecendo um diálogo entre mais de 50 obras, a mostra reúne um repertório que abrange desde os retratos coloniais de Vicente Escobar e composições modernistas até iconografias mais contemporâneas, como as de Belkis Ayón Manso, Manuel Mendive Hoyo, René Peña, Juan Roberto Diago Durruthy e Susana Pilar Delahante Matienzo com o objetivo de mergulhar nas poéticas visuais de quem, de posse de uma herança ancestral, deu corpo a uma cosmopercepção mista e africana de Cuba.
Na exposição, telas, esculturas e diversas técnicas revisitam questões sobre as vidas subalternas de quem chegou ao Caribe como força de trabalho em uma sociedade que logo passou a lhes marginalizar. As obras revelam a arte como lugar de discussão sobre a alteridade, a heterogeneidade e as identidades roubadas da negritude cubana. Cada obra emerge de uma prática imersa em relações de poder, e é um testemunho silencioso das tensões pelas quais artistas tiveram que passar para conseguir se posicionar em seu contexto, no qual os mundos visuais são o testemunho de suas resistências em uma arquitetura social excludente.
Juan Roberto Diago Durruthy Día de Reyes (Detalhe) (Dia de reis), 2019, técnica mista sobre tela, 79 x 193 polegadas. Cortesia do artista. Foto: Cortesia de Melissa Blackall
Além de explorar as vertentes estéticas da criação de raiz africana em Cuba, El pasado mío joga luz sobre os contextos reais nos quais as pessoas que criam esta arte se desenvolveram. Isso é transmitido em uma museografia que incorpora um formato de arquivo, a fim de resgatar os itinerários percorridos ao longo da história, de onde emergem agentes até o momento soterrados nos anais do tempo. É o caso de Caridad Ramírez e de outros nomes, que, enterrados nas gavetas da Academia de San Alejandro, Museu Nacional de Belas Artes de Havana, Academia de San Fernando (Madri), são recuperados em um trabalho arqueológico, espécie de contramemória alinhavada através de obras, imagens, folhas, registros e provas documentais. Um procedimento que ressalta o trabalho das mulheres não-brancas dentro da geografia criativa da ilha. Um grande sucesso, que permite destacar a presença das mesmas dentro do mundo predominantemente masculino e branco da arte cubana.
Desta forma restauradora, El pasado mío exibe os universos e olhares de afrodescendentes como agentes ativos no substrato do imaginário cubano. Os ritmos e descompassos de suas espiritualidades e carnalidades despontam como partes integrantes de uma nação forjada a partir de processos violentos e confrontos.
René Peña, Sem título, 1994 (sem titúlo), prata/gelatina, 32 x 52 polegadas, coleção privada. Cortesia: Melissa Blackall
Homens, mulheres, sujeitos negros em Cuba enfrentaram a segregação econômica e social, a negação de suas identidades, o domínio colonial e o apagamento étnico para garantir a sobrevivência de suas culturas, saberes e subjetividades. El pasado mío acolhe esse legado, fala dessa ferida que não se fechou ao longo do tempo, reencarnada nos racismos vigentes, onde as marcas da discriminação são constantemente reforçadas na pele de quem ainda não escapou da lateralidade.
No contexto cubano atual, as desigualdades são reproduzidas nos grupos afrodescendentes que não conseguem se emancipar para além de seus limites, que habitam um espaço de onde são excluídos devido às condições reais de mobilidade social e à crescente lacuna da desigualdade. Nesse contexto, a exposição torna visíveis processos e vozes silenciadas para que o presente, sempre fabricado em relação ao passado, se ilumine e abrace sua descendência.
A exposição El pasado mío abriu no dia 16 de setembro e pode ser visitada até o dia 21 de dezembro de 2022 na Galeria Ethelbert Cooper de Arte Africana e Afro-americana do Centro Hutchins, Universidade de Harvard, Estados Unidos.
Elizabeth Pozo Rubio é graduada em História da Arte pela Universidade de Havana. Ela escreve e pesquisa sobre a arte cubana. Atualmente cursa o mestrado em Estudos Culturais da América Latina na Universidade de Buenos Aires.
Tradução: Renata Ribeiro da Silva