Por meio de seu trabalho, a chef, artista plástica e ativista colombiana Leonor Espinosa busca tornar visíveis a memória e os costumes de comunidades marginalizadas do Pacífico colombiano, e desse modo transformar suas realidades.
Macambo, mojojoy, mambe y borojó. Cortesia de Leonor Espinosa.
Centro Integral de Gastronomia ZOTEA em Coquí, Chocó, Colômbia. Apoiado pela Fundação FUNLEO. Cortesia da FUNLEO.
Peixe, quiche de agua, güesgüin, copoazú, arveja. Cortesia de Leonor Espinosa.
Leonor Espinosa, artista plástica e ativista colombiana, é conhecida internacionalmente antes de mais nada por seu trabalho como chef. Nos últimos anos recebeu vários prêmios e reconhecimento por sua trajetória, entre eles Latin America’s Best Female Chef 2017 e, há poucas semanas, o 49º lugar no The World’s 50 Best Restaurants 2019.
Nascida em Cartago, Colômbia, em 1963, Espinosa viveu a maior parte de sua infância e juventude em Cartagena e em outras partes do Caribe colombiano. A partir do que viveu e aprendeu durante sua história se propôs a usar a gastronomia como um canal para expressar seu olhar sobre a arte, com propostas estéticas representadas em seus pratos e no cardápio de seu restaurante Leo, em Bogotá. O interessante dessas propostas, para além de seu significado artístico, é que elas têm como base um componente ético e de compromisso social em relação às comunidades rurais isoladas, principalmente da zona do Pacífico colombiano, que com muita frequência foram afetadas pela violência. Utilizando-se de ingredientes nativos e produtos locais, por meio de seu trabalho com grupos de mulheres que pertencem a essas comunidades, a Fundação FUNLEO, criada há onze anos, tenta dar visibilidade e fortalecer a riqueza culinária e produtiva dessas comunidades colombianas frequentemente marginalizadas.
C&AL: Parte de sua formação profissional é em arte. Como você construiu essa relação entre a arte e a cozinha?
Leonor Espinosa: O artista contemporâneo expressa um olhar sensível do mundo real ou de mundos imaginários através do uso de recursos plásticos, sonoros ou linguísticos. Desta forma, o ou os mundos são narrados em realidades com perspectivas alternativas, que tentam resolver, propor soluções a conflitos ou romper com linguagens tradicionais. Apliquei esse mesmo conceito na cozinha, depois de estudar pela segunda vez numa escola de artes. Essa foi uma das razões que embasaram minha proposta de pesquisa, observação e experimentação não só quanto à memória culinária, mas também quanto à riqueza biocultural. Tenho como objetivo transcender o ato de cozinhar, trabalhando a partir de uma linguagem de multiplicidade e de valor agregado por meio de iniciativas gastronômicas em comunidades localizadas em territórios com problemas sociais e econômicos.
C&AL: De que compartilham a arte e a gastronomia? Em que ponto se distanciam, ou o que as distingue como disciplina e objeto de um ofício?
LE: A cozinha envolve aspectos da física, da engenharia, da mecânica, da anatomia e da biologia. A arte, por outro lado, é mais observada na mistura de ingredientes, cores, texturas e sabores; ou seja, no embelezamento da comida quanto à sua forma e conteúdo. Nesse sentido, a gastronomia transpassa os limites do ofício de cozinhar para que seu objeto vá além do manejo de uma técnica e possa se converter em um eixo transformador da sociedade. Esse enfoque envolve também outras disciplinas, como a antropologia, a história e a geografia, para nos mostrar que não há pontos divergentes e sim apenas de encontro. Uma maneira de entender a conexão entre cozinha, gastronomia e arte é por meio da ciência.
C&AL: Qual é o objetivo da Fundação FUNLEO?
LE: O objetivo da FUNLEO é identificar, reivindicar e potencializar tradições gastronômicas de comunidades colombianas, a partir de seu patrimônio biológico, cultural e imaterial, buscando impulsionar o bem-estar, a saúde e a nutrição. Criamos projetos que partem do princípio da gastronomia como um motor de desenvolvimento econômico e social, a fim de contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas em áreas rurais e urbanas.
C&AL: Como seu olhar para as artes mudou a partir do trabalho na FUNLEO? E como esse trabalho de ativismo influenciou sua maneira de ver a gastronomia?
LE: Percorrer territórios colombianos por mais de uma década me levou a entender as necessidades sociais e econômicas de comunidades étnicas rurais assentadas em territórios bioculturais, e como através de processos gastronômicos poderíamos gerar bem-estar. A partir do meu ponto de vista artístico e gastronômico, construo realidades vindas de experiências presentes na pesquisa, e no conhecimento para expor ingredientes, de forma que contem histórias relacionadas com a memória, os usos, os costumes. É uma forma de conectar diferentes formas de vida e torná-las visíveis. Isso é arte.
C&AL: Como você vê seu trabalho em relação ao cenário internacional de pessoas que fazem projetos com princípios similares?
LE: Hoje a cozinha é vista a partir de outras arestas importantes das quais os cozinheiros do mundo estão cada vez mais conscientes. Por exemplo, o olhar para as heranças patrimoniais como geração de bens e serviços; a participação na discussão sobre a problemática que a mudança climática gera na alimentação; ou o apoio em crises humanitárias por causas políticas e sociais. Tranquiliza-me saber que existem projetos para melhorar as condições humanas pela gastronomia. Admiro o trabalho da turca Ebru Baybara Demir, que em meio à crise migratória se utilizou da cozinha para recuperar os vínculos culturais entre a Turquia e a Síria, trabalhando com mulheres migrantes no resgate de tradições gastronômicas e no valor da terra para usos agrícolas. Também o da venezuelana María Fernanda Di Giacobbe, uma promotora do chocolate venezuelano através de projetos como Kakao, Cacao de Origen e Río Cacao, pelos quais articula uma rede de educação, pesquisa e empreendimento em comunidades produtoras de cacau crioulo em torno de identidade, riqueza cultural e econômica. E também do peruano Virgilio Martínez com MIL Centro, um modelo de restauração e interação com comunidades locais que integra intercâmbio de conhecimento e criação de diálogos multiculturais em práticas sustentáveis de agricultura .
Juliana Duque é editora, autora e consultora em gastronomia e cozinha com PhD em Antropologia Sociocultural pela Universidade de Cornell.
Traduzido do espanhol por Raphael Daibert.