A organização artística colombiana, que há dez anos realiza projetos interdisciplinares em conjunto com comunidades do Pacífico colombiano, está atualmente em processo de reinvenção e prepara sua participação na documenta 15, que acontecerá em 2022 na cidade de Kassel, na Alemanha.
Leonel Vásquez, Auscultar um território de nascimentos. Nuquí, 2019. Cortesia: Más Arte Más Acción.
Banco de Memória Sonora: sons enraizados e os Cumbancheritos de Nuquí, Nuquí, 2020. Foto: Rafael Peña. Cortesia: Más Arte Más Acción.
Base Chocó, desenho de Joep van Lieshout, 2011. Cortesia: Más Arte Más Acción.
Más Arte Más Acción (Mais Arte Mais Ação – MAMA) é uma organização colombiana sem fins lucrativos fundada em 2011 pelo artista Fernando Arias e pelo empresário Jonathan Collin. É uma plataforma de projetos artísticos interdisciplinares que envolve colaboração com comunidades da região do Pacífico. Atualmente a MAMA é liderada por Ana Garzón e está em transição para uma direção coletiva, na qual Alejandra Rojas será responsável pela representação legal, bem como pela produção da presença da organização na documenta de Kassel em 2022.
O exercício de uma direção coletiva representa a evolução que os processos da organização tiveram ao longo dos anos, caminhando para uma maior horizontalidade e dando um lugar significativo aos processos que têm como base o Pacífico colombiano. Essa é uma das regiões mais afetadas pelo conflito armado, com presença majoritária de comunidades afro-descendentes e indígenas e uma grande biodiversidade que vem sendo ameaçada por megaprojetos que põem em risco o meio ambiente.
Uma das principais características da atuação da MAMA nesses dez anos foi a realização de um trabalho em rede. Dele participam não apenas as comunidades, coletivos ou organizações de Nuquí (Chocó), Buenaventura (Valle del Cauca) ou Quibdó (Chocó), mas também seus financiadores, como o Goethe-Institut, o British Council e a Fundação Pro Helvetia, além de museus, galerias, coletivos de artistas ou artistas independentes nacionais e internacionais, festivais e instituições estaduais.
A Más Arte Más Acción faz parte da rede Arts Collaboratory (AC), composta por 25 organizações de todo o mundo e focada em práticas artísticas, processos de mudança social e no trabalho com comunidades para além do campo da arte. A dinâmica da AC, por sua vez, marca a forma como a MAMA se relaciona com seus pares na Colômbia e no Pacífico.
Lumbung Pacífico
Ruangrupa, o coletivo indonésio responsável pela direção artística da documenta 15, selecionou os convidados para a exposição levando em conta o que chamam de valores lumbung. Esse conceito, o eixo da documenta de 2022, baseia-se na coletividade, generosidade, humor, confiança, independência, curiosidade, resistência, regeneração, transparência, suficiência e conectividade entre uma multiplicidade de lugares ou atores. O que a MAMA vem construindo ao longo de sua história e que a organização chama de Chocó como escola, coincide com o conceito lumbung.
A Base Chocó pode ser considerada um eixo transversal nos processos da MAMA. É um espaço físico localizado na floresta tropical, no distrito de Coquí, no município de Nuquí, e projetado por Joep Van Lieshout. Tem sido um lugar de reflexão e encontro entre artistas, cientistas, ativistas, escritores e comunidades em torno de várias questões sociais e ambientais.
A partir desse lugar e de seu entorno, foram tecidas relações com múltiplos atores sediados no Pacífico, como o Coletivo de Comunicações em Puja, o Conselho Comunitário de Los Riscales, organizações artísticas e comunitárias de Nuquí (e especificamente de Coquí), a Corporaloteca da Universidade Tecnológica de Chocó, a Fundação Mareia, a Corporação Motete, o coletivo audiovisual Puerto Creativo, a Escola Taller, de Buenaventura, Tura Hip Hop e Yemayá, entre outros. Por sua vez, organizações de outras regiões e cidades colombianas fazem parte desse lumbung que converge, às vezes pessoalmente às vezes através de ideias e colaborações, na selva, no rio Atrato e no mar Pacífico.
Talvez a melhor maneira de entender o que essa forma de trabalhar representa esteja nas palavras de alguns dos participantes. Fausto Moreno, morador de Coquí, diz: “Para nossa comunidade, este projeto é muito valioso, porque tornou visível a importância da preservação de nossos valores e de nossa ancestralidade. Ele nos deu a facilidade de entender que a arte pode ser feita de baixo para cima, que qualquer pessoa pode fazer arte. Também conseguimos potencializar todas essas estratégias artísticas que temos e que nunca acreditamos ser arte. Atividades como a pesca, a agricultura, o artesanato e a culinária são um sistema artístico que nos permite entender a idiossincrasia e a história de cada comunidade”.
Jhoan David Paredes estuda Cinema em Cuba e é diretor audiovisual do coletivo Puerto Creativo (Porto Criativo). Sobre sua participação nesse lumbung Pacífico, ele diz: “A MAMA apoia os processos do coletivo Puerto Creativo e iniciou em 2017 o projeto Postales del futuro (Cartões-postais do futuro), que visa criar uma ponte de comunicação audiovisual entre Nuquí e Buenaventura. Então me matriculei em uma escola de Cinema em Cuba e a MAMA patrocinou todo o meu processo de estudo”.
A inclusão da Más Arte Más Acción na documenta 15 significa, então, um convite extensivo a todos os atores desse lumbung.
Base Chocó, Nuquí 2011. Cortesia da Más Arte Más Acción.
Espaços de pensamento como obras de arte
A Más Arte Más Acción quer levar à documenta seus espaços para reflexão, as conversas, os encontros e os produtos desses diálogos, sem que esses produtos em si mesmos sejam o trabalho que se deseja expor. Isso inclui toda a experiência da Base de Chocó e quatro processos em que convergiram os diferentes atores mencionados: Postales del futuro, um intercâmbio que a partir do cinema documental promove e compartilha reflexões e visões; Atrato [COLLABORATIONS], uma série de colaborações entre artistas multidisciplinares sediados na Suíça e artistas cujo trabalho se baseia ou tem relação com Chocó e o rio Atrato, localizado na região do Pacífico colombiano; Impostergable, três residências artísticas e um encontro em Tribugá (Nuquí), com o intuito de fortalecer ideias em torno da soberania e das alternativas para o desenvolvimento, todas ligadas à resistência civil; e Diálogos posibles, conversas focadas nas mudanças climáticas e na justiça climática, envolvendo os povos indígenas da região amazônica, Chocó e Escócia, no período anterior e durante as negociações climáticas da COP26 da ONU.
O objetivo final da MAMA é que o diálogo não pare, e deixar um legado na região, a partir do reconhecimento dos processos locais ancorados no Pacífico colombiano.
Velia Vidal Romero é uma escritora colombiana, promotora de leitura e gestora cultural. É diretora da Corporação Educativa e Cultural Motete.
Tradução: Cláudio Andrade