Sour Grass é uma agência criada por Annalee Davis e Holly Bynoe Young com o intuito de aumentar a visibilidade de profissionais da contemporaneidade por meio de processos de polinização cruzada e colaboração. Este ano, será inaugurada sua terceira exposição em colaboração com o Instituto de Arte Melly, em Roterdã.
Laying a Table for the Ancestors (Colocando a mesa para ancestrais). Sacerdotisa Winti Marian Markelo (Suriname) e Jasmine Thomas Girvan no jardim medicinal da Academia Piet Zwarte, em Roterdã, 2021. Crédito da foto: Instituto de Arte Melly.
Beatriz Santiago Muñoz, The Navel of the Dream (O umbigo do sonho), no Instituto de Arte Melly, setembro de 2022. Foto: Instituto de Arte Melly.
Jasmine Thomas Girvan. “Bathed in Sacred Fire” ("Banhada em fogo sagrado"). Instalação Dreaming Backwards (Sonhando para trás) com estudantes, 2021. Foto: Instituto de Arte Melly.
C& América Latina: Quando e onde vocês se conheceram? E onde moram?
Sour Grass: Nós nos conhecemos em 2011, quando Annalee estava inaugurando sua iniciativa liderada por artistas fora de seu estúdio, Fresh Milk, em Barbados. O evento incluiu o lançamento da terceira edição da revista ARC, da qual Holly foi cofundadora e coeditora. Atualmente estamos radicadas em Barbados (Annalee) e entre a Escócia e Bequia, em São Vicente e Granadinas (Holly).
C&AL: Em que contexto vocês decidiram criar uma agência voltada a artistas do Caribe e da Diáspora?
SG: Ao longo dos últimos doze anos, temos colaborado como Fresh Milk e ARC. Isso incluiu Caribbean Linked, uma residência em Aruba organizada por Ateliers ‘89 que apoia a criação de obras por artistas emergentes de todos os territórios linguísticos do Caribe, e Tilting Axis, um encontro anual que explora o cultivo de um ecossistema cultural mais saudável para as artes visuais na região. Sour Grass emergiu dessas atividades como uma reflexão ainda mais íntima sob a premissa de um trabalho cultural mais lento, que conta com parceiras transnacionais ao longo de vários anos. Queríamos contribuir para a expansão das comunidades artísticas caribenhas ao mesmo tempo em que refletíamos sobre as especificidades desse contexto geopolítico particular. Também nos sentíamos prontas para expandir nosso trabalho com instituições culturais que compartilhassem princípios semelhantes.
C&AL: Qual sua impressão sobre os setores cultural e artístico no Caribe?
SG: O Caribe é uma região heterogênea à qual se refere como Índias Ocidentais, Grandes Antilhas, Pequenas Antilhas, Ilhas de Sotavento e Ilhas de Barlavento. Colonizada pelo Reino Unido, França, Espanha e Holanda, nossa região crioulizada tem sido impactada pelo genocídio dos povos indígenas e pelas consequências do projeto colonial, ao mesmo tempo em enfrenta a luta de ser um dos lugares mais endividados do mundo, dependente da volubilidade da indústria do turismo.
Percebemos as artes através das lentes dessa história e da nossa perspectiva de Sul Global. Apenas algumas nações caribenhas possuem museus e galerias de arte, e o setor vem convivendo com altos níveis de emigração. Artistas e iniciativas lideradas por artistas estão mais à frente que os órgãos estatais, que lutam para compreender o valor do setor cultural à parte de modelos como a chamada Economia Laranja (Economia Criativa), que busca retornos de investimentos, ignorando a necessidade de investir em artistas.
Também temos consciência do impacto do Caribe na Diáspora e de sua influência no Norte. A geração Windrush, por exemplo, moldou o Reino Unido pós-imperialista. Conceitos da cena de plantações são debatidos em relação ao colapso do clima, enquanto pensadores como Édouard Glissant e Antonio Benítez-Rojo tornam-se referências dominantes para pessoas trabalhando em curadoria no mundo todo. A Bienal de São Paulo de 2021 foi inspirada pelo conceito de relação de Glissant, e a Bienal de Xarja de 2023, influenciada por Okwui Enwezor, explora processos de crioulização, hibridização e decolonização – conceitos que a região vem articulando internamente há décadas. O Caribe está se expandindo.
C&AL: Que tipo de financiamento é possível e que gêneros estão em evidência?
SG: As atividades interessantes estão acontecendo fora das instituições formais. A economia dos festivais, incluindo o carnaval e a indústria musical, tende a ficar em evidência, uma vez que estes gêneros geram renda e atraem mais facilmente as grandes audiências. Mais uma vez, as estruturas de financiamento variam dependendo da região do Caribe.
C&AL: Como vocês percebem a diversidade dentro das artes?
SG: O Caribe sempre foi um espaço sincrético e híbrido. A noção de diversidade é uma preocupação central nas artes visuais e tem implicações mais amplas na representatividade. Alguns aspectos relativos a como a diversidade é representada nas artes são influenciados pela construção das nações, Negritude, feminismo e identidades de gênero.
O Caribe é um espaço polifônico, mas nosso conhecimento mútuo continua vulnerável à orquestração da geopolítica do imperialismo e do colonialismo. A diversidade é implícita na linguística e indigenismo da região e na transmissão intergeracional de conhecimento.
C&AL: No seu ponto de vista, quais as questões mais urgentes a serem abordadas por artistas e pessoas do setor cultural?
SG: Ao longo dos últimos 20 anos, as economias do turismo, a gentrificação, o colapso ambiental, a história, aspectos da hospitalidade e a injustiça restaurativa e social têm sido tópicos centrais. A tendência da decolonização no Ocidente tem muito menos significado para artistas do Caribe, uma vez que o ethos da decolonização tem influenciado nossa consciência e nossas civilizações desde o princípio.
As tensões permanentes do capitalismo e da autonomia dialogam com o gênero contemporâneo e as revoluções do Black Lives Matter. Ambos trazem à tona conversas em evolução sobre raça, identidade cultural, sexualidade e o desenvolvimento de nossas economias criativas digitais.
Sour Grass na Towards Perma-Cultural Institutions. Exercises in Collective Thinking (Instituições culturais rumo ao perma. Exercícios em pensamento coletivo), Fundação Künstlerdorf Schöppingen, Alemanha, 2022. Foto: Felipe Castelblanco
C&AL: Como surgiu sua colaboração com o Instituto de Arte Melly?
SG: Depois de fundarmos o Caribbean Linked (2012) junto com o Ateliers ‘89, em Aruba, o plantio dessas sementes se manifestou no crescimento de relações com várias instituições culturais nos Países Baixos. Há alguns anos, conhecemos a recém-nomeada diretora do Instituto de Arte Melly, Sofía Hernández Chong Cuy, que viu o Sour Grass como uma ponte entre esta instituição sediada em Roterdã e a região do Caribe. Juntas, idealizamos um projeto ao longo de vários anos para apresentar a prática contemporânea da região, que eventualmente assumiu a forma de três exposições individuais apoiadas por um programa para desmembrar a obra de artistas em questão. A primeira exposição foi inaugurada em 2021, com Jasmine Thomas-Girvan (Jamaica/Trinidad e Tobago), a segunda foi com Beatriz Santiago Muñoz, em 2022 (Porto Rico), e nossa terceira e última exposição no Instituto de Arte Melly será inaugurada em junho de 2023 com a obra de Kelly Sinnapah Mary (Guadalupe).
C&AL: Há outras colaborações planejadas?
SG: Estamos muito empolgadas com nossa futura residência curatorial na Alemanha para começar a tecer planos com colegas na Temporary Gallery e sua comunidade mais ampla sediada em Colônia, a fim de continuar nosso processo de trabalho cultural lento, com práticas centradas no amor e no decrescimento. Sour Grass continuará a aumentar a visibilidade de profissionais da contemporaneidade através de processos de polinização cruzada e colaboração, permitindo que nos espalhemos através do desabrochar de conexões vibrantes.
Para mais informações, visite: sour-grass.com annaleedavis.com hollybynoe.com
Hannah K. Grimmer é doutoranda em Estudos Culturais. Pesquisa a relação entre artes visuais, movimentos sociais e ativismos da memória.