Conversa com Nuno Silas

A intensidade da identidade de um artista diaspórico

Conversamos com o artista Nuno Silas, nascido em Maputo, sobre seu trabalho na exposição online Dissident Planets, com curadoria de Diogo Bento.

C&: Você adota uma postura experimental na fotografia. Como isso tem se desenvolvido?

NS: O experimentalismo é fundamental para minhas ideias conceituais. O processo de tentativa e erro me oferece múltiplas opções para explorar diferentes técnicas. Por outro lado, ele me habilita a propor uma nova definição de arte, assim como representações contemporâneas únicas do mundo que orbita ao redor dos temas de migração, identidade e poder. Ao observar meu trabalho, é possível identificar ideias associadas à repetição do “eu”. Ele recria minha percepção sensível do olhar sobre mim enquanto imigrante africano negro na Europa. Essa prática examina minha construção de identidade negra mostrando a representação do corpo negro na arte de incontáveis maneiras. É assim que minha prática artística tem se desenvolvido. Se pensarmos sobre a improvisação e a repetição visual, trata-se de simular sentimentos e perguntar a si mesmo: quem sou eu? Responder a esta pergunta é um exercício político particular de autoexpressão.

C&: Em sua obra você frequentemente recria sua própria imagem, mas ela nem sempre representa você. Você pode falar um pouco mais sobre sua representação do corpo negro e sobre como você decide abordá-lo em relação ao seu público?

NS: No mundo pós-colonial, o corpo negro se tornou tema de pesquisa em várias áreas de conhecimento, especialmente na Diáspora e na representação artística africana, o que suscita uma reflexão crítica em torno do colonialismo e do racismo. Essa reflexão crítica visa renovar nosso entendimento e nossa consciência sobre a história e as artes visuais negras, criando uma associação de símbolos, propondo um discurso contemporâneo e criando uma narrativa decolonial.

Em Crítica da razão negra, Achille Mbembe argumenta que o corpo negro está relacionado a uma geografia específica e a elementos físicos associados à condição racial – estranheza, inferioridade e “primitivismo”. Por sua vez, esses elementos se relacionam a conceitos de poder, classe e gênero. Sendo assim, em minhas obras reflito sobre o processo de resistência e negociação do espaço, não como ativista, mas como artista, questionando as razões pelas quais a fenomenologia das pessoas negras é frequentemente associada à luta por algo, cercada por uma atmosfera de incerteza. E às vezes meu trabalho trata de sentimentos representacionais imaginários.

Meu trabalho se empenha em encontrar uma maneira de amplificar a negritude – representar a experiência negra, propondo uma reflexão sobre os elementos constituintes físicos, psicogeográficos e políticos da minha condição. Tenho pensado em expressar as identidades negras sem fotografar outras pessoas ou imitá-las. Por exemplo, em Intensity of Identity (Intensidade da identidade), que estou mostrando em exposição online, eu me uso como objeto artístico. Investigo diferentes problemas da condição humana, retratando, recriando e abordando o tema da identidade de variadas formas, a fim de desencadear diferentes significados. Tenho criado obras capazes de refletir uma maneira imaginária, simbólica de propor ideias de asfixia, trauma e poder, não como um acidente, mas como uma escolha estética visando um efeito estético. Acredito que esses retratos têm vários significados. Eles mudam, dependendo do contexto interpretativo em que são colocados. Penso que a arte tem o poder de fomentar uma nova maneira de ler o mundo. Minhas representações visuais metafóricas expressam dor e sofrimento.

Dissident Planets (Planetas dissidentes) reúne cinco artistas no âmbito da iniciativa Catchupa Factory/Family Matters. A exposição intenta expandir os discursos sobre as perspectivas afrocêntricas do mundo e da decolonialidade, com foco na experiência da Diáspora. Ela pode ser vista online até 22 de janeiro de 2021. 

Nuno Silas cursa atualmente o programa de mestrado em Artes Africanas Verbais e Visuais e Estudos Curatoriais na Universidade de Bayreuth, como parte de uma bolsa concedida pela Fundação Calouste Gulbenkian, sediada em Portugal. Suas performances e instalações exploram os elementos constituintes físicos, psicogeográficos e políticos de sua condição errante.
Diogo Bento é um artista e curador baseado em São Vicente, Cabo Verde. É membro fundador da AOJE, uma organização dedicada à fotografia.
 
Entrevista por Will Furtado.

Tradução: Uirá Catani

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