Tiffany Alfonseca é uma artista dominicano-estadunidense que, a partir do Bronx, em Nova York, cria obras de arte vibrantes e coloridas que celebram a cultura diaspórica negra e afro-latina. C&AL conversou com a artista sobre seu caminho para a arte, a necessidade de representar as próprias raízes e sua nova série “Em quarentena”.
Tiffany Alfonseca, Iglesia para hombre, 2020. Cortesia da artista.
Tiffany Alfonseca, I Hope My Blackness Offends You, 2018. Cortesia da artista.
Tiffany Alfonseca, Espero que ya le dijiste a tu madre de nosotras, 2020. Cortesia da artista.
Tiffany Alfonseca, Big Floyd, 2020. Homenagem a George Floyd, assassinado por policiais em Mineápolis no dia 25 de maio de 2020. Cortesia da artista.
Tiffany Alfonseca, Natalie Matos, 2020. Série “En cuarentena”. Cortesia da artista.
C&AL: Como você chegou à arte?
Tiffany Alfonseca: Desenho e pinto desde os três anos. Minha mãe sempre quis que eu fosse artista. Ela é uma mulher muito criativa, encantada pelas cores, pelos brilhos. Eu puxei o lado artístico dela. Minha mãe não desenha, nem pinta, mas a arte sempre esteve presente em tudo que ela faz: na cozinha, na decoração da casa. Este apartamento sempre esteve cheio de cores, de objetos por todos os lados, tem muita personalidade. Estudei desenho de moda na escola secundária Fashion Industries, em Nova York. Depois estudei dois anos no Fashion Institute of Technology, mas minha carreira focava na área de negócios, e eu buscava algo que estimulasse meu lado mais artístico. Eu me formei na School of Visual Art. Ali encontrei um espaço que me fez crescer como artista.
C&AL: Que temas você tem interesse em examinar no seu trabalho como artista?
TA: Para mim é muito importante incorporar em meu trabalho a cultura afro-latina. Nunca aprendi nada sobre isso. Quando era menina, não vi isso nem em pinturas nem em desenhos. Quero desenvolver um trabalho artístico pensando nas próximas gerações, e dessa forma desejo proporcionar a elas algo em que elas possam se enxergar, ou alguma coisa com que elas possam se relacionar. O problema é que nós, os afro-latinos nos Estados Unidos, crescemos aprendendo sobre a arte estadunidense, e sobretudo sobre a arte branca. Nunca aprendi nada sobre Black art ou Latino art, até um par de anos atrás. Sinto que foi isso que impulsionou meu trabalho: representar o afro-latino. É algo que ainda não tem uma grande representação.
Muitos dominicanos não sentem orgulho de sua negritude. Muitos são racistas. Meu principal objetivo é romper com esse estigma, com aquela coisa de “não quero ser negro”.
C&AL: Você nasceu em Nova York, em uma família dominicana. Que papel tem sua própria identidade afro-latina estadunidense na forma como você aborda temas como a identidade, a etnia ou o corpo em suas obras?
TA: Nasci e cresci principalmente no Bronx. Minha mãe nasceu nos Estados Unidos, e meu pai na República Dominicana. Poderia dizer que cresci em um típico lar dominicano, o espanhol é minha primeira língua e me considero dominicana. Sinto que tudo que inspira meu trabalho vem de lá: os tecidos, a arquitetura, a palheta de cores.
Agora, como dominicana que vive em Nova York, representar a afro-latinidade é essencial para mim. Muitos dominicanos não sentem orgulho de sua negritude. Muitos são racistas. Meu principal objetivo é romper com esse estigma, com aquela coisa de “não quero ser negro”.
As pessoas me olham e, como sou clara, me dizem que não pareço afro-latina. Sim, eu sou. Olhe meu nariz, meu cabelo, minhas feições. A maioria das pessoas não entende a questão desse modo, porque se fixa apenas na cor. Esse é um problema que enfrento como pessoa e como artista. Algumas pessoas me perguntam por que trabalho com esses temas nas minhas obras se tenho a pele clara. A verdade é que a afro-latinidade não tem a ver somente com a cor; não se trata de ter a pele escura ou de brilhar de uma forma específica.
Também sinto a necessidade de empoderar o corpo feminino. Em muitas de minhas obras, incorporo fullfigured women, mulheres com curvas, rechonchudas. É algo muito pessoal, com que me identifico e que sempre foi problemático para mim durante meu crescimento. Agora, como adulta, aceito meu corpo, e gostaria realmente que outras mulheres também aceitassem seus corpos.
C&AL: Que meios artísticos plásticos e formais você prefere na hora de empreender suas buscas estéticas?
TA: Gosto de mesclar diferentes mídias: a pintura, o desenho, às vezes a serigrafia, o bordado. Me encantam as texturas, as coisas brilhantes, os diamantes, o brilho, o ouro. Creio que o meu trabalho é muito nostálgico; uso muitas coisas de quando eu era menina, do estilo da minha mãe, memórias da infância que permanecem em mim. Nos últimos três anos comecei a explorar isso através de materiais como glitter e rhinestone, dando forma à minha estética pessoal. Para mim, os materiais e os temas que me interessam estão estreitamente vinculados. Quando vejo as pessoas latinas, e os dominicanos especificamente, noto a cor, essa personalidade forte, chamativa, e, usando o rhinestone, posso incorporar e acentuar o colorido que percebo sem, necessariamente, implementar cores para isso.
C&AL: Como você tem experimentado, como artista, o confinamento causado pela doença Covid-19 em Nova York?
TA: Basicamente eu não saía de casa. Estive muito doente no começo de março de 2020, pensava que tinha o vírus e não queria sair. No meu dia a dia, às vezes dedico ao trabalho dez ou onze horas; outras vezes não faço nada. Tudo depende de como me sinto, e evito me sobrecarregar. No entanto, como muitas pessoas descobriram meu trabalho e vendi tudo, estou produzindo novas peças para mostrar. Em breve participarei de duas exposições virtuais. Também venho trabalhando na série de desenhos Em quarentena e depois transformando esses desenhos em pinturas. A verdade é que tem sido muito estranho trabalhar na minha casa. Não gosto, estou todo o tempo pensando que não quero bagunçar meu apartamento e me sinto muito limitada.
C&AL: Fale-nos sobre a série Em quarentena. Que reflexão você quer propor sobre o momento que vivemos atualmente sob o coronavírus?
TA: Durante a quarentena precisei idealizar um projeto que não tivesse grandes proporções, já que meu apartamento é muito pequeno. Então decidi que o melhor que eu podia fazer era desenhar, e daí se originou a série Em quarentena. Quando comecei, me perguntava o que estariam fazendo as outras pessoas em confinamento. Fiz um tipo de pequena entrevista com alguns amigos e familiares para saber o que faziam durante a quarentena, e pedi a eles que tirassem e me enviassem fotografias. Criei os desenhos mesclando alguns elementos de minha própria inspiração com aquilo que as fotografias me proporcionavam. Sinto que isso não teria acontecido em uma situação diferente. É um dos meus projetos favoritos, e é surpreendente que tenha se originado de algo que nunca tinha pensado que faria: desenhar. Quis realizar a série porque, ainda que estejamos vivendo tempos muito complexos devido a esta pandemia global, creio que ainda existem momentos íntimos e agradáveis que podemos apreciar. Tudo o que está acontecendo é muito grave. Conheço muita gente com problemas de saúde mental, mas fazer isso, desenhar para eles, é uma forma de dar alegria. Trato de transformar o negativo em positivo. Tento jogar luz sobre as coisas positivas que existem.
Fabiola Fernández Adechedera é ensaísta e tradutora. Estudante de doutorado em Cultura Latino-Americana, Ibérica e Latina na City University de Nova York.
Traduzido por Cláudio Andrade