Hermosa Intervención (Bela Intervenção) é um grupo de mulheres afro-uruguaias que reconstrói a história das mulheres negras nas Américas, e que encontrou e compartilha uma historiografia não mostrada nas escolas. Raquel Villar-Pérez conversa com as artistas sobre seu trabalho e sobre como ele é recebido pela comunidade.
Museo Afrovivente (detalhe). Cortesia: Hermosa Intervención.
C& América Latina: Quando e por que vocês formaram a Hermosa Intervención?
Hermosa Intervención: A Hermosa Intervención surgiu em 2019, quando Valeria Vega propôs à colega Lucía Martínez trabalhar em um projeto no âmbito das comemorações do Dia da Mulher Afro-Latina, Afro-Caribenha e da Diáspora, o 25 de julho. Usando pintura corporal e fotografia, mostramos cinco mulheres orixás. Em 2020, esboçamos uma performance em homenagem a Mariquita e Encarnación, duas mulheres escravizadas no Uruguai em 1880 que foram condenadas à morte por terem assassinado sua ama, que as maltratava. Após esses dois projetos, formalizamos o coletivo Hermosa Intervención, porque percebemos que era necessário continuar intervindo e contando as histórias das mulheres afrodescendentes.
O nome ocorreu à colega Johanna. “Hermosa” (bela) refere-se à forma como nos visualizamos como mulheres negras, em oposição ao fato de que a beleza nunca está associada a corpos negros. A palavra “intervenção” tem a ver com nossos projetos, que são pensados para ocupar, com nossos corpos negros, os espaços públicos a partir da surpresa.
C&AL: O terceiro projeto, intitulado Museu Afrovivente, é uma peça performática, a partir da qual são resgatadas as mulheres afrodescendentes do continente americano. Vocês poderiam nos falar sobre esse projeto?
HI: Trata-se de uma visita guiada pela reconstrução da história de 13 mulheres afrodescendentes das Américas, a quem tentamos dar visibilidade a partir de nossa corporalidade negra, mantendo distância do discurso branco eurocêntrico. A ideia de pluralidade marcou esse projeto desde o início: as 13 mulheres que fazem parte do Museu são de lugares distintos. Destaca-se a diversidade de corpos, gênero, identidades sexuais, mas também de trabalho etc. Para este projeto, convidamos mulheres negras do interior do país e até de fora do Uruguai, que puderam dar voz às personagens negras de seus respectivos países.
O que nos unifica é perceber que a experiência de vida de cada uma delas é atravessada pela militância contra o racismo a partir de frentes distintas.
C&AL: Como os diversos públicos reagem ao Museu Afrovivente?
HI: Em geral, a maioria das pessoas que tem assistido às apresentações do Museo Afroviviente vem apoiando o trabalho. Sobretudo mulheres ativistas e militantes têm saído muito entusiasmadas da performance. Em Cerro Largo, um departamento localizado no norte do país, onde a população afrodescendente convive com uma estrutura racista e homofóbica bastante arraigada, muitas pessoas brancas assistiram à apresentação e, para nossa surpresa, reconheceram que são necessárias mais intervenções desse tipo, a fim de desmontar as estruturas dominantes.
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C&AL: Como vocês acham que o Museo Afrovivente contribui para debates globais e movimentos sociais em torno da justiça social, anticolonialismo e antirracismo?
HI: Talvez, neste momento, nossa intervenção seja mais local. Ela nos remete principalmente a nós mesmas. Nós todas fomos nos nutrindo mutuamente e fomos crescendo à medida que conhecemos as personagens que interpretamos. Uma grande contribuição é feita em nível comunitário, visto que o Museo Afrovivente conscientiza sobre o que é a luta afrofeminista antirracista nas pessoas ao nosso redor.
C&AL: O que o futuro reserva à Intervenção Hermosa? Vocês estão trabalhando em outros projetos?
Hi: Bem, no momento não estamos pensando em nenhum novo projeto, porque continuamos trabalhando e assimilando o Museu Afrovivente. Ganhamos uma bolsa de financiamento em nível regional, que nos permite fazer mais duas apresentações este ano, e estamos abertas à chegada de outras, para que possamos alcançar mais pessoas e chegar a outros locais de ação, como por exemplo às escolas.
Hermosa Intervención é um coletivo de mulheres afrodescendentes radicadas em todas as Américas, que usam seus corpos e suas vozes para reconstruir e compartilhar a história das mulheres negras.
Raquel Villar-Pérez é pesquisadora acadêmica, curadora de arte e escritora, interessada em discursos pós-coloniais e decoloniais na arte contemporânea e na literatura do Sul Global sociopolítico. Sua pesquisa concentra-se no trabalho de mulheres artistas que abordam noções de feminismo transnacional, justiça social e ambiental, e em fórmulas experimentais de apresentar essas noções na arte contemporânea.
Tradução: Soraia Vilela