Colômbia 

Francia Márquez: das lutas sociais à vice-presidência da Colômbia

Feminista, antirracista, revolucionária e decolonial, mãe solteira, cantora e poeta, Francia Márquez representa os desafios diários das mulheres racializadas na Colômbia. Neste perfil, contamos sua incrível trajetória pessoal e política, elucidando como sua conquista histórica pode mudar a Colômbia e as artes na América Latina.

Márquez foi adentrando os processos sociais e, aos poucos, começou a escrever sua luta nas páginas da história recente da Colômbia. Para alguns, ela era apenas uma mulher negra pobre, criada por sua mãe com seus 11 irmãos; para outros, contudo, ela representava a esperança, já que era a voz capaz de organizar dezenas de mulheres para sair às ruas, a fim de reivindicar seus direitos.

Hoje vice-presidente eleita de colombianos e colombianas, advogada e especialista em Escrita Criativa, Márquez tem dedicado sua vida a lutas sociais coletivas. Feminista, antirracista, revolucionária e decolonial, mãe solteira, cantora e poeta, ela representa os desafios diários das mulheres racializadas e de um grupo de pessoas a quem chama de “os ninguéns”, ou seja, “os pobres de seu país”, fator decisivo para a vitória do Pacto Histórico, que se tornou o primeiro partido de esquerda a chegar ao poder nesta nação com mais de 11 milhões de eleitores e eleitoras. Isso foi possível com o apoio de movimentos feministas, jovens, sociais, contraculturais e dissidentes, o que não poderia ter se concretizado sem a presença de Márquez em suas fileiras.

Cabe ressaltar que a presença de Francia Márquez no poder colombiano ocorrerá em duas frentes: por um lado, ela será a vice-presidente da República e, a partir deste cargo, poderá cumprir as “missões ou comissões especiais” atribuídas a ela pelo presidente Gustavo Petro. Ele também poderá nomeá-la para “qualquer posição no poder Executivo”, conforme previsto no artigo 202 da Constituição da Colômbia. Por outro lado, Márquez vai dirigir o Ministério da Igualdade, pasta que, segundo declarações do presidente eleito, será focada em três aspectos fundamentais: 1) alcançar a igualdade salarial entre homens e mulheres; 2) tornar o tempo de trabalho doméstico válido para a previdência; 3) renda vital: meio salário mínimo para a mãe chefe de família. Espera-se também que, com a presença de Márquez no poder público, sejam fortalecidas conversas em torno dos setores criativo, artístico e cultural, e que esse diálogo se dê “a partir da raiz”, podendo cruzar fronteiras geográficas, gerando conexões com diferentes atores do continente e aproximando artistas e agentes culturais colombianos da Diáspora Africana.

Além disso, o fato de Márquez ser uma ambientalista feminista significa que sua influência pode mudar radicalmente a arte produzida na América Latina, visto que os direitos da terra e das mulheres são temas com os quais artistas muitas vezes trabalham em todo o continente americano. Um exemplo é David Racero, recentemente eleito pelo Pacto Histórico como presidente da Câmara dos Deputados, autor de projetos de lei, apresentados em julho último, que estabelecem direitos menstruais e regulam a posição militar das pessoas transgênero.

Parece que Márquez dá continuidade ao que representaram Susana Baca – cantora e compositora, vencedora do Grammy, que assumiu, em 2011, a pasta da Cultura no governo de Ollanta Humala, no Peru – e Gilberto Gil, cantor, vencedor de três Grammys e ex-ministro da Cultura do Brasil. Embora Márquez não tenha esse tipo de premiação entre seus feitos, ela foi reconhecida como Defensora do Ano no Prêmio Nacional de Defesa dos Direitos Humanos na Colômbia, em 2015. E, em 23 de abril de 2018, ganhou o Prêmio Ambiental Goldman, conhecido como “o Nobel ambiental”, por sua defesa do território e das práticas tradicionais e culturais contra a mineração ilegal. Neste mesmo ano, Márquez integrou a lista das 100 mulheres do ano publicada pela BBC News, que contemplou as 100 mulheres mais influentes e inspiradoras de todo o mundo. Além disso, ela ganhou, em 2019, o Prêmio Joan Alsina de Direitos Humanos por sua luta permanente pela defesa do meio ambiente e dos direitos da comunidade.

“Depois de 214 anos, conseguimos ter um governo do povo, um governo popular. O governo das pessoas simples, de mãos calejadas, o governo das pessoas comuns, o governo dos ninguéns e das ninguéns da Colômbia”: esta declaração é parte do primeiro discurso de Márquez como vice-presidente, proferido em 19 de junho de 2022. Ela também deixou claro que, juntamente com o presidente, trabalhará para “reconciliar a nação”, tendo sido enfática ao mencionar que este será o governo “da paz e da unidade”, baseado nos direitos da Mãe Terra, da Pachamama.

 

Willher Pino Córdoba é um homem negro de 30 anos, sexualmente diverso e sensível à arte, nascido em Quibdó, Chocó, Colômbia. Líder e ativista pelos direitos das Comunidades LGBTIQP+, membro da Fundação MAREIA, a partir da qual se formou em pensamentos e práticas descolonias antirracistas e afro-centradas, facilitador da oficina de espaços de gênero e novas masculinidades e cogerente do albergue afro-cultural Casa Wontanara.

Translation: Soraia Vilela 

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