As curadoras Onyịnye Alheri e Carolina Policarpo exibem colaborações entre artistas de Moçambique, Nigéria e Angola.
Marilú Mapengo Námoda, Para que reza o silêncio?, 2023, escultura, 2m x 5m. Foto: Lorna Zita
Imerso em luz e espiritualidade, o espaço cultural Sabura, em Maputo, desafia o público a apreciar obras de arte sem preconceitos. A exposição Sem Sombras reuniu artistas queer e as mais diversas formas de arte em um único espaço. Isso garantiu ao público a oportunidade de conhecer as obras de artistas, bem como certas narrativas que podem ter-lhe sido novas.
A curadora Onyịnye Alheri é membro do conselho da Comunidade Unida, uma organização que promove liderança e luta contra o racismo, a pobreza e a guerra. O título da exposição, curada juntamente com Carolina Policarpo, surgiu dentro das comunidades queer a partir da necessidade de mostrar ao mundo como querem que as pessoas percebam e acima de tudo respeitem artistas queer. A exposição reivindica o orgulho e a visibilidade queer através da poesia, pintura, música e performance de Eliana N’Zualo, Géssica Stagno, Yuck Miranda, Ana “Yak” Machava, Marilú Mapengo Námoda, Amina Gimba e Pamina Sebastião. O processo de curadoria do projeto levou quase um ano, pois Onyịnye e Policarpo almejavam levá-lo às muitas províncias de Moçambique. Elas creem que expor as perspectivas de tais artistas é uma forma essencial de alcançar as pessoas, e que isso contribuirá para a acessibilidade a informações sobre experiências queer.
Yaki (Ana Raquel Machava), Sem título, 2. Acrílico sobre tela, 120 cm x 80 cm (cada). Foto: Lorna Zita.
Conectando seres naturais e espirituais, as obras de Ana Machava enfatizam a luta de mulheres queer e sua necessidade de ter espaços mais seguros. Em suas fotografias, as cores são usadas para representar a natureza como essência da existência humana e da divindade que é mulher. As fotografias são tiradas de diversos ângulos e captam expressões faciais neutras de quem vive e se reencontra com outros seres.
Géssica Stagno apresenta ao público um jogo assertivo de cores fortes e vibrantes que retrata a viagem de um ser que, através desses tons fortes, liberta-se do medo e busca a aceitação e um lugar de pertencimento. Combinando técnicas à base de tinta a óleo e tinta acrílica, Stagno traça a narrativa a partir de uma visão holística, trazendo vários sentimentos em uma única imagem: dor, alegria e amor.
Gessica Stagno, “Intuição,” 2022, Técnica mista sobre tela, 100 x 145 cm. Foto: Ildefonso Colaço.
Yuck Miranda protagonizou Zita, uma performance épica, interpretando a personagem homônima, que expressa as dores que as pessoas das comunidades LGBTQIA+ enfrentam diariamente. Em sua performance, Miranda deu a ênfase à violência enfrentada pelas pessoas que se assumem como “diferentes’’ daquilo que é aceito pela sociedade. Uma mistura de música, teatro e canto, a performance refletiu a violência protagonizada por pessoas próximas que acreditam que as pessoas LGBTQIA+ não merecem respeito, o que resulta em que sejam alvos de injúrias ao longo de sua vida.
Yuck Miranda, Zita, 2023. Foto: Lorna Zita.
A performance refletiu a violência protagonizada por pessoas próximas que acreditam que as pessoas LGBTQIA+ não merecem respeito, o que resulta em que sejam alvos de injúrias ao longo de sua vida.
Dentro do mesmo espaço, o público pôde se conectar a fones de ouvido e escutar à performance poética de Eliana N’Zualo no filme Cartas de amor para meninas mal comportadas. Exibido em uma tela, o filme combina música e poesia para contar histórias de mulheres destemidas que imaginam e criam outras mulheres, e abominam a violência.
Eliana N'Zualo, “Love Letters for Badly Behaved Girls (Cartas de Amor para Garotas Mal Comportadas),” 2023. Foto: Lorna Zita.
As múltiplas perspectivas da exposição permitem leituras diversas e pertinentes, amplas e reveladoras, à medida em que os confrontos são estabelecidos. Adotar a arte como um meio de comunicação é sustentar o objetivo de gerar reflexão, concentrando-se nas relações que podem ser estabelecidas dentro das mais variadas disciplinas de um campo específico. A exposição mostrou o potencial que diversas formas de arte têm de coexistir no mesmo espaço, uma complementando a outra. Embora cada uma delas tenha sua própria forma de traçar sua narrativa e mostrar sua visão das coisas, a mensagem de esperança que o grupo de artistas procuram trazer é a de um mundo tolerante, sem violência e baseado no respeito mútuo.
De acordo com os dados de 2016 do Afrobarometer, organização não-governamental fundada em 1999 com o objetivo de coletar dados estatísticos em mais de 35 países na África, Moçambique é um dos dez países mais tolerantes em relação à homossexualidade. Mas isso certamente não é o suficiente, uma vez que as pessoas LGBTQIA+ continuam a enfrentar a violência e o preconceito. Só para dar uma ideia, a descriminalização da homossexualidade só foi revista no código penal em 2014. Podemos dizer que ainda há muito a ser feito para garantir a protecção e os direitos das comunidades queer.
Amina Gimba, “He:Him / She:Her,” 2023, ambos digitais, formato svg, 30 x 30 cm. Foto: Ildefonso Colaço.
A LAMBDA, Associação Moçambicana de Defesa das Minorias Sexuais, uma das maiores organizações de luta pela proteção e pelos direitos da comunidade queer em Moçambique, destaca os maiores problemas que a comunidade enfrenta: os mais marcantes são o estigma social e o acesso limitado à saúde, à educação e ao trabalho. O diretor da LAMBDA Roberto Paulo destaca o quão perturbadora é essa descoberta, considerando que todo ser humano deveria ter o direito de escolher como quer viver sem temer a exclusão social.
A psicanalista Joyce McDougall escreveu: “Todo ser humano tem o direito de pertencer a ambos os sexos, alimentando a fantasia de possuir sexualmente e identificar-se simultaneamente com homens e mulheres.” Para garantir essa equidade, precisamos criar políticas públicas que combatam a discriminação de todo tipo, aumentar a participação de minorias em processos políticos relativos ao acesso à educação e ao trabalho, e corrigir todas as formas de desigualdade, preconceito baseado em origem, raça, sexo, cor, idade, e qualquer outra forma de discriminação. Essa é a perspectiva que o grupo de artistas queer trouxe a Sem Sombras.
Sem sombras venceu a chamada internacional promovida pela apexart em 2022-2023. A exposição foi realizada no centro cultural Sabura, na Rua José Mateus #185, Maputo, e esteve em cartaz dos dias 25 de fevereiro a 25 de março de 2023.
Lorna Zita é gestora cultural e escritora. Ela vive em Moçambique e participou do programa de mentorias da C& em 2022.
Tradução: Marie Leão