A artista venezuelana Ana Alenso, radicada em Berlim, reflete sobre a dependência global do petróleo e as tensões políticas, sociais e econômicas geradas por ela. Contemporary And América Latina (C&AL) conversou com a artista sobre seu inquietante “imaginário petrocultural”.
Ana Alenso, da série Oil Interventions (Intervenções petrolíferas), 2015-2017. Cortesia da artista.
Ana Alenso, 1,000,000 %, 2015-2018. Notas venezuelanas, barril, máquina detectora de notas falsas e outros artefatos. Cortesia da artista.
Ana Alenso, El triángulo de las Bermudas, 2014. Impressão inkjet. 100 x 70 cm. Cortesia da artista.
Ana Alenso, Brent Crude Oil-Elf Edition (Petróleo cru Brent - Edição elf), 2017. Barril, rampas de alumínio, carreta, escada, cimento, amplificador e microfone de contato. Dimensões variáveis. Cortesia de: SixtyEight Art Institute, Dinamarca. Foto: Christopher Sand-Iversen.
C&AL: Em 2018 você se inscreveu para o Berlin Art Prize com uma instalação chamada 1.000.000%. Pode nos falar sobre isso?
Ana Alenso: A instalação questiona o fenômeno da hiperinflação na Venezuela e o relaciona com a chamada maldição dos recursos ou paradoxo da abundância. Esta é uma teoria proveniente da economia política, que descreve como a riqueza de recursos naturais é equivalente ao aumento da violência e da corrupção em países como Angola, Congo e Nigéria. No caso da Venezuela, um país com as maiores reservas de petróleo do mundo e, paradoxalmente, uma inflação atual de 1.000.000% (a mesma da Alemanha em 1923, por exemplo), é absurdo tentar entender em termos concretos como se chegou a esse ponto e como se planeja o futuro. Assim, a arte se transforma numa ferramenta necessária de especulação.
A instalação é um conjunto de esculturas, objetos, resíduos industriais, motores, sons, luzes e fotografias conectados por mangueiras e sincronizados entre si. Ao mesmo tempo, escutam-se os gritos de um broker da bolsa de Chicago saindo de dentro de um barril de petróleo, pode-se ver como a seu lado é ativado um dos principais elementos da instalação, um protótipo do “Ciclone de dinheiro”, uma cabine de plástico onde há cerca de dois milhões de bolívares fortes (BsF), que corresponderiam a apenas 20 centavos de dólares. O restante dos elementos da instalação continuam ativos: pedaços de asfalto giram, uma “tômbola” se liga, uma máquina “verificadora de notas” está empacada, peças de automóveis e lâmpadas LEDs pendem do teto, fotografias pelo chão…
C&AL: O que aconteceu com as notas?
AA: Bom, isso foi um elemento surpresa que me permitiu contemplar particularmente a ideia de destruição num sentido temporal. Durante o decorrer da instalação as notas começaram a rasgar devido à violência do ar e à fricção com o plástico dentro da cabine, algumas inclusive saíram da cabine em pedacinhos. A deterioração progressiva das notas se transformou numa alegoria premonitória da reconversão monetária para a nova moeda bolívar soberano, anunciada pelo regime justamente uma semana antes da abertura da exposição, e que tem cinco zeros a menos que o BsF e está atrelado à nova criptomoeda PETRO que, por sua vez, é respaldada pelas reservas petrolíferas do país, nada mais e nada menos.
C&AL: Como você se aproxima, a partir da arte, de temas relativos à economia, sociologia e política?
AA: Trato de manter um equilíbrio do conhecimento que surge do fazer no ateliê, esse que é intrínseco aos objetos e materiais que decido utilizar, e que, por sua vez, se alimenta da minha interpretação de alguns fenômenos da economia política associados à exploração de recursos naturais, como os chamados maldição dos recursos, boom and bust e doença holandesa. Embora esse intercâmbio de ideias e experiências surja de uma motivação política e crítica, continua subsistindo no campo das artes, resultando numa linguagem poética que chamo de “imaginário petrocultural”.
C&AL: No caso de seu Imaginário petrocultural, como se chega ao equilíbrio entre a arte e o discurso sobre questões econômicas, mercadológicas e ecológicas?
AA: Durante o processo, existe uma questão física importante, sem a qual muitas obras não existiriam. Trata-se da necessidade de conseguir o equilíbrio e a tensão entre os elementos da instalação. A tensão é essa coisa misteriosa, frágil e temporal que une os elementos e os mantém de pé, é um elemento estético presente em trabalhos como Brent Crude Oil-Elf Edition (Petróleo cru Brent – Edição elf), Water, Oil And Organic Orange Juice (Água, petróleo e suco de laranja orgânico) e El triángulo de las Bermudas (O triângulo das Bermudas). Só a partir daí é possível criar outras relações e similitudes entre as qualidades formais da escultura e a fragilidade dos ecossistemas, a tensão presente em algumas questões geopolíticas e o risco ecológico do uso do fracking, para dar alguns exemplos.
C&AL: O que você oferece poderia ser uma nova imagem invertida do paraíso?
AA: São paisagens mais apocalípticas. Não sei se é um bom termo chamá-las de “paraíso invertido”, porque continua presente a ideia de utopia. Na minha iprática, a coleta e reutilização exaustiva dos materiais é um aspecto que me desafia e me motiva a não cair numa atitude pessimista em relação ao mundo hiperconsumista e hipercorrupto em que vivemos.
C&AL: Qual seu interesse no barril de petróleo como ícone? Diria que, em sua obra, o barril funciona como uma caixa de ressonância cujo eco expande todo o resto das ideias.
AA: Exatamente. O barril é, sem dúvida, um elemento que tem uma presença bastante forte em nível escultural. É um elemento versátil, multifuncional, símbolo da era pós-industrial, por isso o considero um símbolo de poder. Ele me interessa, pois me permite contextualizar temas locais ou mais específicos sem descartar uma leitura global. No caso de Water, Oil And Organic Orange Juice, o que a princípio parece ser um barril de petróleo subitamente se revela como um barril para transportar suco de laranja orgânico. Nessa aparente contradição jaz a lógica dos processos modernos de industrialização, que não faz distinção entre o petróleo e as laranjas e nos leva a uma visão abstrata da natureza.
Ana Alenso é uma artista venezuelana radicada em Berlim, Alemanha. Mestra em Artes pela Universidade das Artes de Berlim (UdK), mestra em Arte e Desenho pela Universidade Bauhaus de Weimar e graduada da Universidade Nacional Experimental das Artes. Sua obra foi exibida no Sixty Eighth Art Institut (Dinamarca), Museu de Porreres (Espanha), Neues Museum Weimar (Alemanha), Museu Alejandro Otero, Espaço Monitor (Venezuela), entre muitos outros. Menção honrosa no Berlin Art Prize 2018.
Arístides Santana conduziu a entrevista. Ele é curador, crítico e editor. Foi curador do museu TEA Tenerife, membro do Departamento de Publicações do museu CAAM, na Espanha, curador da MIA Photo Fair Milano, Itália, membro cofundador do space project Mäss Gallery e dirigiu a galeria Nova Invaliden Galerie em Berlim, Alemanha.
Traduzido do espanhol por Renata Ribeiro da Silva.