Uma conversa com a artista porto-riquenha sobre sua participação na Bienal de Whitney, Nova York, onde ela apresenta uma série de desenhos-dançados.
Awilda Sterling-Duprey e Pepe Álvarez-Coló n,…blindfolded for P.E.P.O.S.A (...com os olhos vendados para P.E.P.O.S.A) (2021), Plataforma para pesquisa da performance, de Pepe Álvarez-Colón, na galeria Hidrante, Santurce, Porto Rico. Foto: José López Serra
Awilda Sterling-Dupre y,…blindfolded (…com os olhos vendados) (2022), Bienal de Whitney, Nova York. Foto: José López Serra
Awilda Sterling-Duprey, En-Cierro (2017), ÁREA: lugar de projetos, Caguas, Puerto Rico. Foto: Lau Pat RA
Nascida em San Juan, em 1947, Awilda Sterling-Duprey é uma das mais importantes artistas visuais de Porto Rico. Nesta entrevista, o artista porto-riquenho Pepe Álvarez-Colón conversa com Sterling-Duprey sobre sua trajetória na abstração e na tridimensionalidade do corpo e também sobre …blindfolded, a obra que ela expõe na Bienal de Whitney de 2022: em Quiet as It’s Kept, a artista venda os próprios olhos para desenhar traços sobre papéis escuros como resposta às improvisações do jazz.
C&AL: Além de sua trajetória em performance experimental, junto a uma comunidade de bailarinos e atores de teatro, você também se formou em Artes Plásticas com um grupo de pintores abstratos, quando a abstração em Porto Rico não era considerada uma arte nacional. Quando você se interessou pela abstração?
ASD: Na Escola de Artes Plásticas de Porto Rico. Eu era adolescente e tinha acabado de me formar na Universidade de Porto Rico. Eu não conhecia outra arte que não fosse a tradicional porto-riquenha e latino-americana. Naquela época, sempre estivemos em uma luta feroz com os Estados Unidos, porque somos um território, somos uma colônia. Falar de abstração em Porto Rico nos anos 1960 era complicado pelo que não tínhamos sido capazes de alcançar (politicamente como país). Foi assim que fiz uma transição, mas de maneira feroz, para o expressionismo abstrato. Franz Kline foi o artista que me impressionou pela primeira vez. Suas pinturas negras. Preto e branco. E uma gestualidade feroz. Sem dúvida. Tirar o pincel da pintura e aceitar o acidente e a forma como ele vai recompondo o plano pictórico. Além disso, Kline trabalhou ouvindo um grande músico afro-americano, Sonny Rollins, que ensaiou seus solos de saxofone na Ponte do Brooklyn. O jazz que mais me influenciou naquela época foi o straight-ahead [sem influência do rock]. E foi essa prática de performance, que eu já havia integrado, de ouvir e traçar, que me levou a …blindfolded.
C&AL: Quando você começou na performance?
ASD: Em Nova York, quando estava fazendo meu mestrado no Instituto Pratt, em um curso com Trisha Brown. O exercício que mais me impressionou foi o de usar um dedo da mão e colocá-lo em movimento, enquanto estávamos deitados de olhos fechados. Era preciso seguir esse dedo, para que ele nos levantasse do chão, e continuar assim. Era um curso em um espaço tridimensional, com a liberdade de fazer com que o dedo circundasse não só o corpo, mas também o espaço tridimensional do estúdio. Depois tive um grande professor em Porto Rico, o Nelson Rivera, que junto com seu Grupo Número 3 estava trabalhando nos contextos da música concreta. Ele sempre me convidava e atribuía a mim partituras, para que eu desse um corpo a essa simbologia. Esses contextos me ajudaram muito a maximizar a capacidade de entender a abstração e a maneira de levá-la a um espectro tridimensional do corpo.
C&AL: O improviso é constitutivo das tradições afro-caribenhas. Como você aborda a improvisação a partir desses afro-saberes?
ASD: A improvisação é um elemento característico das artes africanas. Notei que, na repetição, chega um momento em que o padrão muda. Isso acontece com o jazz, isso acontece com as esculturas dos santos. O desenho dos tecidos nutre-se precisamente dessa mudança de padrão. Sobre este assunto recebi muitas informações de Sylvia del Villard, da Universidade de Porto Rico (atriz, coreógrafa e ativista afro-porto-riquenha), que foi minha mentora nessa avaliação de todo o continente e das etnias que nos formam. Ela me falou sobre divindades e sobre minhas habilidades para a arte, a dança e meu interesse em religiosidades. Claro, minha família já tinha tudo isso integrado, mas naquela época não se falava do africano como um valor. Então era preciso “se comportar bem, para que nos respeitassem”, para que vissem que éramos um tipo diferente de negra ou negro. Mas Sylvia incorporou os valores éticos de todo um continente e esteve com todos aqueles africanistas da Universidade de Fisk, no Tennessee, EUA. E isso me impressionou. Isso é o que me leva a integrar conceitos religiosos através da dança, porque a história está no corpo e na dança. Cada passo é uma história da divindade, que tem tantos níveis quanto os elementos da natureza que ela representa. Minha integridade é vista e falada dentro de todos esses contextos de improvisação.
C&AL: Como mudou sua relação com a improvisação?
ASD: Eu sempre pintava ouvindo jazz, mas não necessariamente gestualizando o jazz na pintura. Agora estou gestualizando a improvisação. O que faço é imaginar que estou desenhando as intensidades desse som. Faço minha própria escala tonal e cromática a partir dos sons que ouço.
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C&AL: Em …blindfolded, você também explorou a salsa. Como adaptou o gesto ao contexto da Bienal?
ASD: Sim, eu já havia trabalhado com Omar Obdulio Peña-Forty, pegando a música de Ismael Rivera (El sonero mayor) e reformulando os números da salsa para reverter seu significado através da manipulação tecnológica. O gesto é urgente, pois trabalho também ouvindo improvisações de jazz do músico porto-riquenho Miguel Zenón; e no Whitney usei novamente Zenón com Las caras lindas, do álbum Sonero: The Music of Ismael Rivera (2019), que é a sonoridade com a qual eu concluo. Depois de pintar, limpo as mãos e, em vez de jogar fora os papéis, construo um continente novo que inventei para mim (começa a rir). Enquanto martelo os panos no painel, construo um continente (risos em voz alta).
Tradução: Soraia Vilela