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Guido Llinás: a incrível história de um artista afro-cubano em Paris

Em Paris, Llinás fez experimentos com Anaforuana, um sistema nigeriano de signos. Posteriormente, sua obra evoluiu, integrando signos e padrões têxteis e criando uma linguagem visual abstrata única. As pinturas de Llinás são marcadas por memórias culturais e camadas complexas, revelando desde cedo o potencial crítico de artistas do Caribe.

Em 1966, Llinás comenta a exposição, parte do Festival Mundial de Artes Negras em Dacar, que veio a Paris (sem a participação de Cuba). Ele logo começa a explorar outras linguagens de signos presentes no continente africano, integrando-as gradualmente a suas obras, especialmente aos padrões têxteis. O Signo passa lentamente a se transformar em Forma, distanciando-se de seu significado original. A fragmentação não era mais apenas um sintoma de destruição: ela se tornou o ponto de partida para a criação de uma nova linguagem. Os signos nunca desapareceram completamente, pois parte deles retornaria de forma imprevisível, como a memória involuntária de Proust. A maior parte das pinturas de Llinás pode ser lida como um palimpsesto, uma interação de diferentes modos culturais entre escrita/figura, memória e imaginação.

Em Cuba, Llinás pintou muitos murais. Em seu período parisiense, transpôs essa prática para uma escala menor. Nos anos 1950, artistas de décollage, como Villeglé, Rotella e Hains, arrancavam cartazes das ruas e os levavam para as galerias, abrindo novas possibilidades para a obra de Llinás. Os cartazes que ele coletava carregavam a memória das ruas – eram visivelmente fragmentados, mas iniciavam uma vida nova quando sua “Assinatura Negra” (Severo Sarduy) apropriava-se deles e os transformava. Diferentes sistemas de signos, códigos de cores e formas de atribuir significado foram colocadas em diálogo, derrubando as hierarquias entre si existentes. A obra de Llinás é profundamente diaspórica, ela se auto-afirma ao mesmo tempo que compartilha a fragilidade de tags e grafites. Em uma declaração inédita, ele um dia escreveu: “(Minhas) telas abrem espaço para a indignação ante os estragos causados pelo tempo, a injustiça e a morte […] por isso minha pintura não cultua a harmonia. A forma é imprevisível; pode bem ser um equilíbrio falso que obscurece o clarão que minha obra pretende desencadear. Com essas premissas, o ato de pintar, em contradição insolúvel com a aspiração à justiça, torna-se necessariamente uma canto sobre a fúria da vida, um ato de insubordinação.”

As obras de Guido Llinás serão apresentadas em 2025 em uma grande exposição coletiva no Centro Pompidou, em Paris, França.

Guido Llinás (1923–2005) nasceu em Cuba, onde fundou Los Once (1953), grupo de vanguarda que introduziu o Expressionismo abstrato. Em 1963, radicou-se em Paris, onde começou suas Pinturas Negras, focadas em diferentes sistemas de signos de origem africana. Trabalhou primariamente com pinturas a óleo e xilogravura e foi um pioneiro da arte latinoamericana com suas colagens, prática iniciada durante seu período em Cuba.

Estelle Nabeyrat é crítica e curadora de arte, quando tutora na Escola Normal Superior Paris-Saclay, no departamento de Design, pesquisou artistas em exílio na América Latina e no Caribe com apoio de uma bolsa concedida pelo Centro Nacional de Artes Plásticas de Paris.

Christoph Singler é professor emérito da Literatura e Arte Latinoamericanas na Universidade do Franco-Condado, na França. Seus temas de pesquisa incluem as literaturas caribenhas e a arte visual do Atlântico Negro, especialmente de Cuba, as artes diaspóricas, transculturalidade, as relações entre antropologia e estética, bem como relações imagem-texto. É autor do livro Génesis de la Pintura Negra. La obra parisina de Guido Llinás (2013).

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

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