Em Paris, Llinás fez experimentos com Anaforuana, um sistema nigeriano de signos. Posteriormente, sua obra evoluiu, integrando signos e padrões têxteis e criando uma linguagem visual abstrata única. As pinturas de Llinás são marcadas por memórias culturais e camadas complexas, revelando desde cedo o potencial crítico de artistas do Caribe.
Detalhe de Guido Llinás, Bleu, 1967, óleo sobre tela, 81x65 cm. Foto: Ivan Andreev
Embora a pintura abstrata feita por pessoas Negras tenha estado à margem durante muito tempo, a obra de Guido Llinás (1923, Cuba – 2005, França) mostrou desde cedo seu potencial crítico. Quando Llinás chegou em Paris, em 1963, com 40 anos de idade, já tinha uma carreira de sucesso em Cuba como a principal voz do Los Once, um grupo de vanguarda de renome internacional, que incluía Antonio Vidal, Raúl Martínez e Agustín Cárdenas. Llinás deixou Cuba devido à sua oposição à sovietização da política cultural do país. E tinha mais razões para abandonar a ilha: sua homossexualidade e, além disso, a dissolução pelo governo das sociedades afro-cubanas, as únicas instituições onde pessoas Negras de Cuba eram capazes de se auto-organizar desde o massacre de membros afro-cubanos do Partido Independiente de Color, no início do século 20.
Uma vez em Paris, Llinás começou a pintar Anaforuana, um sistema de signos de origem nigeriana. Durante os primeiros anos, experimentou com uma mistura de action painting e esses signos, compostos principalmente de círculos, cruzes, triângulos, setas e formas ovais e de diamantes. Llinás não era um crente: para ele, esses signos eram o equivalente africano do Ponto e linha sobre plano, de Kandinsky, um texto básico sobre a abstração geométrica. Os signos começaram a aparecer em sua obra pouco a pouco, por volta de 1965. Uma complexa sobreposição de camadas de traços escuros revela partes de Anaforuana, frequentemente em branco. É difícil dizer se estão emergindo ou sendo apagados. Essa ambiguidade fala sobre temas que dizem respeito à visibilidade, e trata da memória – cultural, pessoal, histórica –, sua fragmentação e persistência. Os signos passaram gradualmente a ter maior destaque quando Llinás encontrou o Letrismo, um movimento que insiste na profusão de signos do alfabeto, que ele substituiu por seu equivalente africano.
Guido Llinás, Pintura, óleo sobre estopa, 1996. Foto: Christoph Singler
A maior parte das pinturas de Llinás pode ser lida como um palimpsesto, uma interação de diferentes modos culturais entre escrita/figura, memória e imaginação.
Em 1966, Llinás comenta a exposição, parte do Festival Mundial de Artes Negras em Dacar, que veio a Paris (sem a participação de Cuba). Ele logo começa a explorar outras linguagens de signos presentes no continente africano, integrando-as gradualmente a suas obras, especialmente aos padrões têxteis. O Signo passa lentamente a se transformar em Forma, distanciando-se de seu significado original. A fragmentação não era mais apenas um sintoma de destruição: ela se tornou o ponto de partida para a criação de uma nova linguagem. Os signos nunca desapareceram completamente, pois parte deles retornaria de forma imprevisível, como a memória involuntária de Proust. A maior parte das pinturas de Llinás pode ser lida como um palimpsesto, uma interação de diferentes modos culturais entre escrita/figura, memória e imaginação.
Em Cuba, Llinás pintou muitos murais. Em seu período parisiense, transpôs essa prática para uma escala menor. Nos anos 1950, artistas de décollage, como Villeglé, Rotella e Hains, arrancavam cartazes das ruas e os levavam para as galerias, abrindo novas possibilidades para a obra de Llinás. Os cartazes que ele coletava carregavam a memória das ruas – eram visivelmente fragmentados, mas iniciavam uma vida nova quando sua “Assinatura Negra” (Severo Sarduy) apropriava-se deles e os transformava. Diferentes sistemas de signos, códigos de cores e formas de atribuir significado foram colocadas em diálogo, derrubando as hierarquias entre si existentes. A obra de Llinás é profundamente diaspórica, ela se auto-afirma ao mesmo tempo que compartilha a fragilidade de tags e grafites. Em uma declaração inédita, ele um dia escreveu: “(Minhas) telas abrem espaço para a indignação ante os estragos causados pelo tempo, a injustiça e a morte […] por isso minha pintura não cultua a harmonia. A forma é imprevisível; pode bem ser um equilíbrio falso que obscurece o clarão que minha obra pretende desencadear. Com essas premissas, o ato de pintar, em contradição insolúvel com a aspiração à justiça, torna-se necessariamente uma canto sobre a fúria da vida, um ato de insubordinação.”
As obras de Guido Llinás serão apresentadas em 2025 em uma grande exposição coletiva no Centro Pompidou, em Paris, França.
Guido Llinás (1923–2005) nasceu em Cuba, onde fundou Los Once (1953), grupo de vanguarda que introduziu o Expressionismo abstrato. Em 1963, radicou-se em Paris, onde começou suas Pinturas Negras, focadas em diferentes sistemas de signos de origem africana. Trabalhou primariamente com pinturas a óleo e xilogravura e foi um pioneiro da arte latinoamericana com suas colagens, prática iniciada durante seu período em Cuba.
Estelle Nabeyrat é crítica e curadora de arte, quando tutora na Escola Normal Superior Paris-Saclay, no departamento de Design, pesquisou artistas em exílio na América Latina e no Caribe com apoio de uma bolsa concedida pelo Centro Nacional de Artes Plásticas de Paris.
Christoph Singler é professor emérito da Literatura e Arte Latinoamericanas na Universidade do Franco-Condado, na França. Seus temas de pesquisa incluem as literaturas caribenhas e a arte visual do Atlântico Negro, especialmente de Cuba, as artes diaspóricas, transculturalidade, as relações entre antropologia e estética, bem como relações imagem-texto. É autor do livro Génesis de la Pintura Negra. La obra parisina de Guido Llinás (2013).
Tradução: Renata Ribeiro da Silva