Um olhar sobre Koffi Mensah

Emergir a memória das identidades africanas

Por meio de seus retratos, o artista burquinense traz de volta a história de personalidades que haviam sido, segundo uma visão hegemônica eurocêntrica, anuladas da história do continente africano.

Figuras históricas que reconstroem imaginários coletivos

“Entendo que o artista, com seu trabalho criativo, tenha que investir tanto na sociedade quanto na política, pois vejo na arte uma causa política”, observa Mensah. Essa visão faz com que ele considere sua arte “artivismo” – neologismo conceitual de instável consensualidade no campo das Ciências Sociais e das Artes Visuais por ligar arte e política e, com isso, estimular os destinos potenciais da arte enquanto ato de resistência e subversão.

Como atos de resistência, os retratos trabalhados por Mensah escavam e trazem à tona a história depositada no arquivo da memória social coletiva. Se esses corpos representados forem analisados sob a lupa do sociólogo jamaicano Stuart Hall (1932-2014), serão também considerados superfícies ou telas, sobre as quais é possível efetuar uma exploração das paisagens interiores da subjetividade negra. O corpo negro deixa de ser um mero objeto de contemplação ou desejo e passa a ser tratado como sujeito.

Através dos sujeitos retratados em primeiro plano, Mensah permite ao observador ter sobre si olhos que lhe devolvem a mirada e lhe narram suas próprias histórias. Nesse intercâmbio de subjetividades, desdobra-se um fluxo constante de ir e vir, tornando o observador simbolicamente um retrato para o retratado. A superfície de telas entalhadas artesanalmente – em referência ao tradicionalismo da gravura que confere aos retratos uma textura rendada – faz com que o olhar do observador se demore sobre a obra em busca de um equilíbrio entre matéria, memória e conceito. Nessa relação figura-fundo, habita uma inquietação do olhar do observador e formas pós-Pangeia: cada rosto esculpido rompe fronteiras, expande histórias, torna-se um território unificado que se desloca e se dispersa em porções menores e vazadas.

A partir da forma de sobreposição de telas esculpidas e sobrepostas, descola-se uma trama, uma teia de informações composta de traços fragmentados do “eu”, por meio da qual Mensah constrói rostos enquanto passagem, pontos de difusão e conexão de saberes africanos para além da circunscrição geográfica do continente. Com essa visão fragmentada, Mensah aponta para a pluralização de existências africanas que, através da percepção e ressignificação do olhar do outro e com o outro, buscam reconstruir os fios de sua própria identidade.

Autoria: Bruna Tupiniquim, Filippa Jorge, Kelvin Marinho, Lorenna Rocha, Marta Georgea Martins de Souza, Renata Martins, Rogério Felix.

Este artigo é resultado do trabalho estimulado pelo workshop “Crítica de arte como exercícios de escritura. Análises das obras de Thó Simões e Koffi Mensah Akagbor”, coordenado entre maio e junho de 2020 por Renata Martins, no marco de sua residência virtual Vila Sul 2020, promovida pelo Goethe-Institut Salvador-Bahia. Participantes de distintas cidades e áreas de conhecimentos tiveram encontros virtuais em grupo ao longo de seis semanas, nos quais puderam dialogar online com Koffi Mensah, a fim de produzir este saber coletivo sobre as criações do artista burquinense.

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