Maximiliano Mamani, artista dos Andes argentinos, dá vida a Bartolina Xixa, uma “drag diversa” cujas performances examinam as construções LGTB e a colonialidade, assim como concepções de gênero e sexualidade. Marie-Louise Stille falou com Mamani para a C&AL sobre sua visão como artista e performer e sua participação na 11a Bienal de Arte Contemporânea de Berlim.
Bartolina Xixa. Ramita Seca: La colonialidad permanente, 2019, Foto: Elisa Portela.
Bartolina Xixa, 2019. Cortesia de Maximilano Mamani/Bartolina Xixa. Foto: Elisa Portela.
C&AL: Quem é Bartolina Xixa?
Maximiliano Mamani: Bartolina Xixa é minha construção transformista. Ela nasceu de querer entender processos que eu estava atravessando na minha vida, como minha reivindicação como bicha, como pessoa diversa sexual-afetivamente e de herança andina e ancestral, ligada à minha família, que vem de contextos de comunidades aborígenes. A dança é o espaço onde podemos discutir, capturar e criticar a forma como somos violentados e oprimidos através de construções que nos deixam à margem da realidade. Bartolina é uma crítica ao pensamento, à construção e à matriz colonial que define nossa realidade, é um diálogo com a minha realidade e uma forma ou método para construir uma arte ancorada, que parte de nossas próprias experiências de vida.
C&AL: Você define Bartolina Xixa como uma “drag diversa”. Pode nos explicar este termo?
MM: As construções de drags estão intimamente ligadas a construções de feminilidades ocidentais, e há um dispositivo ou um imaginário sobre a drag que começa a ser criado nas mentes, transportado sobretudo pelas plataformas virtuais ou pelos meios de comunicação. Isso não significa que todas nós aspiramos percorrer esses mesmos caminhos. Existem outras formas de fazer drags, que transitam por outros espaços e que são artesanais, muito próprios e muito nascidos de nossos interiores.
C&AL: Que temas você quer abordar através de seu trabalho?
MM: A matriz do meu trabalho é poder expressar, a partir da arte e da dança, a desigualdade que vivemos como pessoas que transitam e têm corporalidade, rosto e espaço geográfico diferentes. Primeiro eu quis falar sobre diversidade sexual, mas me dei conta de que havia outros males que estão nos matando e que precisamos tornar visíveis: os abusos ambientais, o racismo, a violência contra a mulher, o roubo de territórios na América Latina. A arte é necessária e urgente diante dos problemas que estamos enfrentando. Não só como puro prazer, mas pela necessidade de mudar.
C&AL: Que papel desempenham as danças folclóricas da região andina do norte da Argentina em seu trabalho com Bartolina?
MM: Elas são quase tudo. O folclore andino é meu veículo, minha possibilidade e meu detonador para fazer minhas performances. Cresci em Tilcara, e as únicas expressões artísticas que tínhamos eram alguns tipos de música ou essas danças. Bartolina é parte das coisas que eu tinha ao alcance, do que eu podia e tinha permissão para fazer. Nas minhas apresentações me encontro novamente nessas danças, que meu povo também entende. Embora o folclore argentino tenha construções machistas, patriarcais, coloniais e racistas, isso não significa que as construções LGBT não estejam carregadas de machismo, racismo, xenofobia e colonialidade. Estou vivendo neste território, sou marrom, pobre, gay e também quero dirigir essa crítica para o mundo LGBT : não sou esse gay branco.
C&AL: Por que você escolheu o vídeo como meio para apresentar Bartolina ao público?
MM: Naquele momento eu pensava que era necessário intervir nos espaços virtuais com nossos rostos e nos tornar visíveis a partir dali, pois nossos rostos não estão presentes na Argentina. Intervir naqueles espaços onde a história negou rostos marrons para encontrar este rosto supostamente diferente do argentino, mas que na verdade também dança a argentinidade.
C&AL: Em que projetos artísticos você está envolvido atualmente?
MM: Estou trabalhando em Los funerales de Bartolina Sisa, que é inspirado na líder Bartolina Sisa, que lutou nos Andes ao lado de Túpac Katari contra a imposição colonial e morreu de forma muito violenta. Bartolina não teve os funerais comemorativos e precisamos recriá-los.
C&AL: O que significa para você ser parte do programa da Bienal de Berlim?
MM: Nunca pensei na minha arte como algo que pudesse sair dos espaços locais que habito e nos quais vivi. O convite me surpreendeu, e a oportunidade de imaginar coisas se ampliou por estas possibilidades que estão acontecendo.
C&AL: Com que trabalho você vai participar da Bienal?
MM: Apresentarei Ramita seca e um novo trabalho performático que está em processo de elaboração, já que as coisas estão sendo redefinidas atualmente: não se sabe se vou conseguir viajar e estar presente fisicamente.
C&AL: De que maneira a pandemia do coronavírus e suas consequências têm afetado seu trabalho?
MM: Sempre foi muito difícil sustentar nosso trabalho a partir dos poucos espaços que temos. Se a arte já era rudimentar e precária, com a Covid-19 a possibilidade tornou-se nula. Se a arte necessita de tantas comodidades para estar presente, você nunca será capaz de entendê-la a partir de nossa realidade. Fazer arte a partir da precariedade é um desafio e uma possibilidade. E fazer arte a partir da fome é uma realidade, é tão artesanal e vivo. A arte é redefinida e se torna mais possível nesta realidade a partir da margem sul-americana.
C&AL: Quais são seus planos artísticos para o futuro?
MM: Minha constituição artística precisa dar uma guinada para construir para o nós. Sendo gay, pobre, marrom, sul-americana, sou um objeto extremamente exótico para a alteridade. Embora seja interessante que discutamos essa realidade, não é hora de eu ser um pregador que leva as notícias da marginalidade para o centro. Precisamos voltar a fazer arte nessas margens e periferias e reforçar nossas posições artísticas a partir daí. Meu objetivo, depois de tudo isto, é fazer uma arte de nós para nós, que sejam posições que falem a partir da mesmidade. Uma construção artística que fale conosco mesmos, conosco mesmas, para poder reforçar voltando à origem, e reforçar esse tronco para nos ramificar.
Maximiliano Mamani é um artista andino oriundo de Jujuy, Argentina. É bailarino e professor de folclore. Estudou Antropologia na Universidade de Salta. Como artista drag queen criou Bartolina Xixa, um personagem inspirado na indígena de La Paz e líder revolucionária Bartolina Sisa. Atualmente vive em Tilcara, Jujuy, Argentina.
Marie-Louise Stille, que realizou a entrevista, é gestora cultural e colaboradora da C&AL. Atualmente vive em Berlim.
Tradução: Cláudio Andrade