Sem sombras

Artistas queer trazem novas perspectivas a Moçambique

As curadoras Onyịnye Alheri e Carolina Policarpo exibem colaborações entre artistas de Moçambique, Nigéria e Angola.

Conectando seres naturais e espirituais, as obras de Ana Machava enfatizam a luta de mulheres queer e sua necessidade de ter espaços mais seguros. Em suas fotografias, as cores são usadas para representar a natureza como essência da existência humana e da divindade que é mulher. As fotografias são tiradas de diversos ângulos e captam expressões faciais neutras de quem vive e se reencontra com outros seres.

Géssica Stagno apresenta ao público um jogo assertivo de cores fortes e vibrantes que retrata a viagem de um ser que, através desses tons fortes, liberta-se do medo e busca a aceitação e um lugar de pertencimento. Combinando técnicas à base de tinta a óleo e tinta acrílica, Stagno traça a narrativa a partir de uma visão holística, trazendo vários sentimentos em uma única imagem: dor, alegria e amor.

Yuck Miranda protagonizou Zita, uma performance épica, interpretando a personagem homônima, que expressa as dores que as pessoas das comunidades LGBTQIA+ enfrentam diariamente. Em sua performance, Miranda deu a ênfase à violência enfrentada pelas pessoas que se assumem como “diferentes’’ daquilo que é aceito pela sociedade. Uma mistura de música, teatro e canto, a performance refletiu a violência protagonizada por pessoas próximas que acreditam que as pessoas LGBTQIA+ não merecem respeito, o que resulta em que sejam alvos de injúrias ao longo de sua vida.

Dentro do mesmo espaço, o público pôde se conectar a fones de ouvido e escutar à performance poética de Eliana N’Zualo no filme Cartas de amor para meninas mal comportadas. Exibido em uma tela, o filme combina música e poesia para contar histórias de mulheres destemidas que imaginam e criam outras mulheres, e abominam a violência.

As múltiplas perspectivas da exposição permitem leituras diversas e pertinentes, amplas e reveladoras, à medida em que os confrontos são estabelecidos. Adotar a arte como um meio de comunicação é sustentar o objetivo de gerar reflexão, concentrando-se nas relações que podem ser estabelecidas dentro das mais variadas disciplinas de um campo específico. A  exposição mostrou o potencial que diversas formas de arte têm de coexistir no mesmo espaço, uma complementando a outra. Embora cada uma delas tenha sua própria forma de traçar sua narrativa e mostrar sua visão das coisas, a mensagem de esperança que o grupo de artistas procuram trazer é a de um mundo tolerante, sem violência e baseado no respeito mútuo.

De acordo com os dados de 2016 do Afrobarometer, organização não-governamental fundada em 1999 com o objetivo de coletar dados estatísticos em mais de 35 países na África, Moçambique é um dos dez países mais tolerantes em relação à homossexualidade. Mas isso certamente não é o suficiente, uma vez que as pessoas LGBTQIA+ continuam a enfrentar a violência e o preconceito. Só para dar uma ideia, a descriminalização da homossexualidade só foi revista no código penal em 2014. Podemos dizer que ainda há muito a ser feito para garantir a protecção e os direitos das comunidades queer.

A LAMBDA, Associação Moçambicana de Defesa das Minorias Sexuais, uma das maiores organizações de luta pela proteção e pelos direitos da comunidade queer em Moçambique, destaca os maiores problemas que a comunidade enfrenta: os mais marcantes são o estigma social e o acesso limitado à saúde, à educação e ao trabalho. O diretor da LAMBDA Roberto Paulo destaca o quão perturbadora é essa descoberta, considerando que todo ser humano deveria ter o direito de escolher como quer viver sem temer a exclusão social.

A psicanalista Joyce McDougall escreveu: “Todo ser humano tem o direito de pertencer a ambos os sexos, alimentando a fantasia de possuir sexualmente e identificar-se simultaneamente com homens e mulheres.” Para garantir essa equidade, precisamos criar políticas públicas que combatam a discriminação de todo tipo, aumentar a participação de minorias em processos políticos relativos ao acesso à educação e ao trabalho, e corrigir todas as formas de desigualdade, preconceito baseado em origem, raça, sexo, cor, idade, e qualquer outra forma de discriminação. Essa é a perspectiva que o grupo de artistas queer trouxe a Sem Sombras.

Sem sombras venceu a chamada internacional promovida pela apexart em 2022-2023. A exposição foi realizada no centro cultural Sabura, na Rua José Mateus #185, Maputo, e esteve em cartaz dos dias 25 de fevereiro a 25 de março de 2023.

Lorna Zita é gestora cultural e escritora. Ela vive em Moçambique e participou do programa de mentorias da C& em 2022.

Tradução: Marie Leão

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