México

Arte e comunidade contra o extrativismo

Desde 2011, o Colectivo Cherani gera seu próprio sistema, exemplo de uma forma diferente de viver, uma forma mais comunitária, mais responsável, menos capitalista e sem expropriações, na qual a memória coletiva é preservada. Seu trabalho é interdisciplinar e emana das raízes profundas da cultura Purépecha.

Esse desenrolar dos acontecimentos e a indignação consequente ocasionaram uma rebelião popular espontânea no dia 15 de abril de 2011. Ela marcou o início de um estado de sítio que durou quase um ano. Logo formou-se uma milícia cidadã responsável por garantir que armas não entrassem no território. Um componente central da organização comunitária são as chimeneas, espécies de lareiras ao redor das quais se cozinha, discute e coordena. Há quase 200 chimeneas. Além disso, foi estabelecido um Conselho Ancião que substituiu o presidente municipal e foi reconhecido inclusive pelo Tribunal Supremo Eleitoral do México. O Conselho Ancião é composto de doze membros, os chamados k’eris, que desempenham um papel político central durante três anos. O segundo artigo da Constituição do México assegura teoricamente às comunidades indígenas o direito coletivo à autodeterminação política, mas os Purépechas de Cherán são os primeiros a colocar isso em prática.

A esse processo político inovador baseado na democracia direta desenvolveu-se paralelamente um movimento artístico, o Colectivo Cherani, fundado por Giovanni Fabian Guerrero, Alain Silva Guardian, Betel Cucué, Francisco Huaroco Rosas e Ariel Pañeda. Surgido justamente no local de origem do muralismo, trata-se de uma corrente artística que se concentra, entre outros, na pintura de murais de grande escala. O coletivo se organiza e trabalha na Casa de Cultura de Cherán, o que ilustra o vínculo íntimo entre movimento social e o trabalho artístico.

Tanto o povo quanto artistas de Cherán rejeitam as “estruturas que não lhes servem”, afirma Calveiro, tendo construído seu próprio sistema, um exemplo de uma forma diferente de se viver em conjunto, uma forma mais comunitária, mais responsável, menos capitalista, sem expropriações. Igualmente relevante para este sistema é o fato de que a arte não funciona com base em instituições conhecidadas; não é produzida em museus e galerias. Como Néstor García Canclini afirmou nos anos 1970, é necessária uma teoria sobre a relação entre a arte e a sociedade. O sociólogo da arte argumenta que a arte pode ser “uma ação no espaço” e artistas, “desenhistas do ambiente”. Mas então surge a pergunta: O que é artista, ativista ou militante? O povo de Cherán nos mostra que, se abordarmos seu trabalho assim, estaremos cometendo um equívoco. Um possível esclarecimento está no idioma Purépecha, que desconhece a palavra “artista”.

Os temas que o coletivo aborda são claramente políticos, como por exemplo uma parte do mural Uinapikua, que mostra o rosto do presidente Andrés Manuel López Obrador junto à metade da cabeça de um taré, uma divindade protetora; abaixo vê-se a metade do rosto do antigo governador Silvano Aureoles e palavras como “povo” e “respeito”, e frases como “não esperes submissão”, que lembram que o presidente não tem o direito de entrar em Cherán. A pintura gigante de Uinapikua é composta por vários painéis menores, alternadamente impressos, tecidos ou produzidos com resinas e objetos encontrados. Na outra parte do mural, aparece a palavra uri, que se refere às mãos que trabalham ou ao trabalho criado. Que descrição acertada: Quem são artistas, senão mãos trabalhadoras?

No caso de Cherán, artistas ajudam a representar, a tornar compreensível e contar a história para além do estado de Michoacán. De 2022 a 2024, membros do Colectivo Cherani são Jane Lombard Fellows do Centro Vera List de Arte e Política de Nova York. Dessa e de outras formas, constroem as narrativas de um povo com conhecimentos e saberes próprios, impedindo seu desaparecimento. “Fazem à sua maneira seu próprio resgate”, diz Calveiro, “articulam-no com o que precisam”. Assim, mostram-nos uma visão temporal na qual o passado e o futuro de uma nova política possível coexistem lado a lado.

 

O Colectivo Cherani, de Michoacán, México, foi fundado em 2011 e é formado por um grupo diverso de artistas, ativistas e pessoas criativas que compartilham a visão de utilizar a arte como uma ferramenta para a mudança social e o empoderamento da comunidade. Ele surgiu da revolta do vilarejo de Cherán contra o extrativismo e o desmatamento em massa. O coletivo assume o compromisso de chamar a atenção para as vozes e as lutas das comunidades marginalizadas, especialmente os grupos indígenas.

Hannah Katalin Grimmer é pesquisadora e curadora. Trabalhou na equipe de curadoria do Gropius Bau, em Berlim, e foi professora e assistente de pesquisa na Universidade de Kassel/Instituto documenta. Atualmente conduz as pesquisas para seu doutorado sobre as relações entre artes visuais, movimentos sociais, memória e resistência no Chile. Vive em Berlim e Santiago do Chile.

Tradução: Renata Ribeiro da Silva

Tópicos